Para economizar, joinvilenses trocam almoços em restaurantes por marmitas elaboradas em casa

Fotos Lucas Koehler e Felipe Rosa

Por: Lucas Koehler

27/09/2019 - 11:09 - Atualizada em: 27/09/2019 - 11:55

Cozinhar alimentos para a semana ou preparar a janta pensando no almoço do dia seguinte. Preencher o pote com a quantia certa, embalá-lo, não esquecer dentro da mochila e saber os minutos corretos ao aquecer no microondas.

Essas são algumas etapas realizadas por pessoas que levam marmita para o trabalho, optando em levar comida de casa em vez de almoçar em restaurantes.

Economia, praticidade, falta de tempo e conhecimento sobre os alimentos. Levar marmita faz parte do dia a dia de empregados de diferentes salários, cargos e localidade. A “quentinha”, como é popularmente conhecida, atende diferentes necessidades e perfis.

Em Joinville (SC), a designer gráfica Samantha Silva, 28 anos, mora no bairro Anita Garibaldi, região próxima ao Centro, onde a maioria dos moradores (26,4%) ganha entre cinco e dez salários mínimos por mês.

Samantha Silva leva marmita pela comida mais saudável e quantidade correta de alimentos | Foto Felipe Rosa

Ela percorre, de carro, quase 5 km para chegar ao trabalho no Nova Brasília, zona sul da cidade. Opta por levar marmita algumas vezes na semana. Os motivos são pela comida mais saudável e quantidade correta de alimentos.

A economia, mesmo que não sendo o motivo principal, faz diferença. “O que sobra de dinheiro eu uso em outros momentos como janta e durante passeios nos fins de semana. Mas também guardo em um fundo de emergência para usar com eventuais necessidades”, diz.

Prática garante economia

Já para o vendedor Israel Cunha, 29 anos, a questão econômica fez ele trocar restaurantes pela pequena cozinha no segundo andar da loja de móveis onde trabalha.

Por mês, Israel costuma economizar entre R$ 150 e R$ 200, dinheiro que sobra para gastar com gasolina ou supermercado. De segunda-feira a sábado, ele sai do bairro João Costa, onde 37,5% das pessoas recebem até um salário mínimo por mês, e vai até o Centro, distância média de 8 km, para trabalhar.

As comidas em potes o ajudam na rotina acelerada. “Já está tudo pronto, é só esquentar. Se eu estiver atendendo um cliente, não corro o risco de ter que ir atrás de almoço depois, pegar fila para pagar e sair correndo para bater o ponto biométrico”, conta.

A jovem Suelen Gonçalves, 23 anos, também leva marmita para o trabalho, mas por outro motivo: “assim sei como a minha comida é preparada”, exclama.

Suelen Gonçalves leva marmita todos os dias da semana | Foto: Eduardo dos Santos

Moradora do Aventureiro, maior bairro de Joinville e localizado na zona leste, vai para o trabalho de ônibus, localizado no Saguaçu, em média 4,5 km de distância da sua casa. Sem marmita, ela calcula um gasto de R$ 200 mensais.

A falta de opções para se alimentar próximas à empresa em que trabalha, para ela, contribui para que o gasto seja maior do que levar comida de casa. “Tem apenas um restaurante e as marmitas são somente através de entrega”, lamenta.

Qualidade das refeições

Segundo o nutricionista e professor na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Daniel Bandoni, as marmitas não são prejudiciais à saúde, porém, faz ressalvas.

“A primeira é a condição e a distância até chegar ao trabalho, outra é se a empresa conta com espaço para armazenar, aquecer e realizar sua refeição”, explica.

Bandoni explica que o consumo da refeição em restaurantes institucionais – localizados no ambiente de trabalho – é melhor que a consumida em restaurantes ou trazida de casa, já que os cardápios são acompanhados por profissionais da saúde.

“Elas têm menor densidade energética, mais fibras e maior participação dos alimentos dos grupos das hortaliças (verduras e legumes), frutas e leguminosas (feijões, grão-de-bico e lentilha)”, complementa.

Composto, geralmente, por arroz, feijão, purê de batata, estrogonofe, carne ensopada ou frango frito, o prato de Israel está na contramão do recomendado.

Segundo o nutricionista Bandoni, a marmita deve incluir, além do arroz, feijão e um tipo de carne, verduras, frutas e legumes. “As saladas muitas vezes são negligenciadas, pois o trabalhador tem dificuldade em incluir no mesmo recipiente com os alimentos quentes”, ressalta.

É justamente por esses problemas que o vendedor passa. “Não levo saladas ou legumes pela dificuldade de transportar e pela quantidade de potes. Além disso, fica murcho se esquentar junto com outros alimentos, tem que tirar a salada do pote, complica um pouco”, justifica.

Daniel Bandoni lembra que o horário de preparo da marmita deve ser preparada o mais próximo possível do horário em que será consumida, porém, para Samantha, Israel e Suelen, a realidade é outra.

A designer costuma preparar na noite anterior e, segundo ela, às vezes rende para almoçar por dois dias no trabalho. A do vendedor de móveis é preparada pela noiva dele, entre às 20h e 21h do dia anterior.

Já a da auxiliar de escritório, Suelen Gonçalves, é preparada pela sogra no horário do almoço e fica na geladeira até o dia seguinte.

Um prato desigual

Almoçar fora de casa tem um custo. No Brasil, segundo pesquisa da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), o prato comercial (ou prato feito), em média, custa R$ 29,56.

Já por regiões, no sul, o valor é de R$ 34,18. O sudeste tem o mais caro: R$ 35,72. No Nordeste, porém, o mais barato, em média, custa R$ 32,66.

Os preços estão acima dos valores recebidos em vale-refeição de boa parte dos trabalhadores. A designer gráfica Samantha Silva, por exemplo recebe R$ 11 por dia de vale-refeição. Já Suelen Gonçalves, menos: R$ 10.

Valores médios dos pratos comerciais no Brasil | Fonte: Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT)

Com Israel Cunha o pagamento é diferente, porém, também bem mais baixo que a média dos pratos no país.

“Recebo o vale-refeição em passe de ônibus, que seria para ir em casa almoçar e voltar ao trabalho, mas por conta da distância, vendo a R$ 7,80 os dois. Esse dinheiro invisto para por gasolina e comprar alimentos no mercado para minha marmita”, explica.

Por não se tratar de um benefício obrigatório no país – como o vale-transporte e o abono de faltas justificadas -, não existe um valor mínimo que deve ser pago pela empresa aos funcionários. Segundo o Censo 2010 do IBGE, a alimentação representa 19,8% do gasto da família brasileira.

Para o sociólogo e professor do Instituto Federal Catarinense (IFC), Dauto da Silveira, a economia e qualidade da refeição são os principais motivos para os trabalhadores levarem marmita para a empresa.

Ele ainda afirma que a jornada de trabalho faz as pessoas não terem tempo de ir ao restaurante e voltar ao trabalho, tornando a refeição preparada em casa mais adequada. “Em alguns casos, os funcionários se alimentam mal, muito rápido, sem tempo para digestão e, por isso, a marmita se destaca” pensa.

O sociólogo avalia ainda que os valores pagos através do vale-refeição são incapazes de atender as necessidades dos trabalhadores. Segundo ele, é possível ver a desigualdade social e econômica por meio da alimentação.

Hora do almoço, momentos de estresse

Se a economia de renda é um ponto positivo, levar marmita para é trabalho é acompanhada de dificuldades e desafios. Mochila pesada, excesso de potes e preparo dos alimentos são alguns exemplos.

Para Israel, almoçar começa antes e termina bem depois do meio-dia.

“Preciso trazer tudo na mochila, gera desconforto porque ando com ela até por na geladeira, tem risco de azedar. Além disso, tem que lavar e secar. Já esqueci pote na loja, tem vez que junta três ou até quatro potes lá, fica horrível de levar tudo na mochila depois numa vez só”, reclama.

Com a marmita, Israel economiza entre R$ 150 e R$ 400 por mês | Foto Lucas Koehler/OCP News

Já para Samantha, a preparação, armazenamento e o aquecimento das comidas são os seus principais dilemas. “Como a utilização do microondas para aquecer é no refeitório do trabalho, acaba gerando fila das pessoas que precisam usar o aparelho”, afirma.

O professor do IFC afirma que a produtividade dos funcionários está ligada à qualidade e conforto na empresa.

“A falta de bem-estar no ambiente de trabalho é um problema. Sem isso, os empregados se sentem infelizes. Por isso, muitas vezes, a melhor hora é quando você vai embora”, comenta.

Distância e saudade como companhias

A solidão costuma ter um sabor amargo. No horário de almoço, quem leva marmita está longe da família. Mesmo almoçando no ambiente de trabalho, os diferentes horários e ritmo acelerado dos funcionários pode fazer do meio-dia um momento monótono, de saudades e lembranças.

Suelen gostaria de almoçar junto das pessoas queridas. “Sinto falta das pessoas mais próximas para fazer companhia, porém, a distância e meio de transporte não colaboram”, lamenta.

Para Israel, o gasto e a distância entre o trabalho e a casa o impede de almoçar com a noiva. “Ela também trabalha e almoça fora. Para ambos não valeria a pena ir almoçar em casa e gastar gasolina e tempo no trânsito”, queixa-se.

Para o sociólogo, há vários problemas no atual tempo que os funcionários têm disponível para almoçar.

“A falta de socialização e o isolamento do trabalhador são características do ambiente de trabalho desde o final dos anos 80. Almoçar sozinho é uma expressão da política de fragmentação dos trabalhadores que marcaram o final do século 20”, finaliza.

Como preparar a marmita ideal

A boa alimentação é fundamental para o trabalhador. Colabora com o bem-estar, satisfação e produtividade. Quando se fala em marmita, é necessários além de buscar alimentos saudáveis, saber como preparar e mantê-la conservada.

5 dicas para facilitar a sua vida na hora de fazer uma marmita:

  1. Prefira alimentos em temperatura ambiente, eles se conservam melhor e dispensam o trabalho extra de aquecimento.
  2. Invista nos grãos: Lentilhas, grão-de-bico, quinoa e feijão-branco, por exemplo, podem ser misturados com outros alimentos.
  3. Corte as carnes em pedaços menores, isso faz com que a textura delas fique preservada após o descongelamento e no aquecimento.
  4. Pense na variedade: a principal queixa de quem come marmita é de que as opções se repetem. Por isso, diversifique o seu prato e tente não repetir os mesmos alimentos no dia seguinte.
  5. Leve os seus próprios talheres, prato e copo para o ambiente de trabalho.

 

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Lucas Koehler

Repórter em Joinville (SC).