Mercado de games tende a crescer e busca capacitação no país

Por: Pedro Leal

02/02/2018 - 06:02 - Atualizada em: 04/02/2018 - 11:03

Ainda menosprezado por parte do público, o desenvolvimento e comércio de games é um dos maiores mercados na área do entretenimento atualmente. Em 2017, este segmento movimentou cerca de US$ 1,3 bilhão no Brasil e US$ 116 bilhões em todo o globo, superando os faturamentos da indústria cinematográfica desde 2015. A estimativa é de 2,2 bilhões de gamers em todo o mundo, um mercado que tende apenas a crescer e que busca capacitação no país, ainda carente de mão de obra especializada.

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Jaraguá do Sul é uma das cidades a contar com formação neste mercado. Desde 2015, a Católica de Santa Catarina oferece cursos de extensão em Design de Games, ministrados pelo programador Ricardo Alberto Walter. Este ano, a instituição passou a oferecer curso de graduação em Tecnologia em Jogos Digitais, nas unidades de Joinville e Jaraguá do Sul. Afinal, há potencial a ser explorado: a região conta com alguns desenvolvedores que tiveram destaque em jogos independentes – como Gabriel Arones, que fez sucesso convertendo em game o meme ‘Taca lhe pau marcos!’.

Católica de Santa Catarina oferece cursos de extensão em Design de Games, ministrados pelo programador Ricardo Alberto Walter | Foto Eduardo Montecino/OCP

Pelas estimativas da Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames), entre 2008 e 2016 o setor cresceu 600% no país. Ainda distante dos chamados jogos “AAA”, com orçamentos milionários, predominam no país os jogos “indie”, criados por pequenos desenvolvedores. Segundo a associação, metade das empresas estão na ativa a mais de três anos no país e são em sua maioria pequenas: 70% tem até cinco colaboradores.

É o caso da Cold Wolf Games, empresa de desenvolvimento da região presidida por Ricardo Walter. Ele mesmo se divide entre a criação do jogo “Badass Santa” e as aulas na faculdade. Apesar da abertura dos cursos e dos números que movimenta, Walter aponta que o setor ainda não é “levado a sério” por parte da população. “O setor ainda está em fase de amadurecimento cultural e profissional, pois ainda está vinculado a você estar trabalhando com games e a simplesmente estar se divertindo com os mesmos”, explica. Mas embora a indústria nacional ainda seja tímida, o país produziu artistas de destaque internacional, como o designer paulista Rafael Grassetti, que trabalhou nas séries “God of War” e Assassin’s Creed, à promessas independentes como a Massive Game Studios, do Rio Grande do Norte, que chamou atenção com o título “Dolmen”, comparado à bem sucedida série “Dark Souls”, da japonesa FROM Software.

PROGRAMAÇÃO É O PILAR, LEMBRA DESENVOLVEDOR 

Segundo Ricardo Walter, há uma falta de mão de obra muito grande no país, principalmente na parte de programação. “O setor precisa muito de programadores e de artistas visuais, sempre tem projetos, quer no Brasil, quer fora, necessitando de pessoal, especialmente na programação que é o que carro-chefe que mantém tudo funcionando”, explica. De acordo com ele, há também uma falta de conhecimento por parte de muitos projetos do que é necessário para fazer um jogo funcionar – e do que é possível fazer com os recursos que se tem. “É preciso levar em conta o que se quer fazer, o que se pode fazer e o que se consegue fazer, muitos produtores não fazem isso e deixam para depois partes essenciais do projeto”, diz.

Por conta das necessidades de programação, muitos jogos ficam em desenvolvimento por longos períodos de tempo, resolvendo bugs e implementando funcionalidades. Principal projeto da Cold Wolf Games, o jogo de plataforma “Badass Santa” se encontra em ‘beta’ justamente para testar e refinar a jogabilidade. “Não adianta lançar um jogo bonito e ter uma jogabilidade que não funciona”, ressalta Walter, lembrando que muitos projetos esquecem da programação.

PORTE PEQUENO E FALTA DE RECURSOS AINDA MARCAM O SETOR 

Segundo o designer Ritchie Cantuaria, parte da equipe de Badass Santa, a indústria brasileira de games ainda é marcada por falta de recursos financeiros e de oportunidades. “Se você não mora nos grandes centros financeiros, como SP e RJ, ainda é complicado viver de games”, diz, destacando que muitos desenvolvedores, como ele, o fazem em meio período. Cantuaria também se destacou com o jogo humorístico “Run Gringo, Run”, que colocava os jogadores na pele de um turista estrangeiro, tentando desviar das intempéries de uma fictícia cidade brasileira durante as olimpíadas, como assaltos, obras inacabadas e acidentes.

Jogos para celular como “Run Gringo, Run” dominam o mercado | Foto Divulgação/OCP

Já Gabriel Arones foi um dos pioneiros na produção de jogos na região, produzindo games sob demanda e por diversão. Com o crescimento do setor e com o retorno incerto, Arones partiu para trabalhar em outros mercados, hoje atuando primariamente no Youtube. “É um trabalho hercúleo para um retorno muito incerto, eu tive que fazer outras coisas para pagar as contas e vi que tinha mais retorno pelo mesmo trabalho com o Youtube”, explica, destacando que ainda existem oportunidades para empreendedores – mas o setor exige preparo.

Este pequeno porte é parte do que explica a predominância de jogos mobile na indústria brasileira: por exigirem investimento menor e menos trabalho – muitos deles são desenvolvidos por uma única pessoa ou por pequenas equipes – para um público mais amplo, grande parte do desenvolvimento de jogos nacionais é voltado para celulares e tablets.

Grande parte do desenvolvimento de jogos nacionais é voltado para celulares e tablets | Foto Eduardo Montecino/OCP

A possibilidade de micro-transações (pequenas vendas para obter vantagens e benefícios no jogo) é outro atrativo para o segmento. “Lançar um jogo gratuito e incluir um adendo como ‘conseguir mais 100 gemas por um valor R$ X’ te dá um ganho maior com o numero de vezes que o jogador ira solicitar essa ‘facilidade’ a mais no jogo”, explica Walter, destacando que é raro não ver alguém com um smartphone nas mãos hoje em dia.

DIVULGAÇÃO E TIMING SÃO ESSENCIAIS 

Canais como Youtube, “Bundles “ (pacotes de múltiplos jogos por um preço reduzido) e distribuição gratuita por tempo limitado são boas opções para promover jogos “indie”. Um desses pacotes deu destaque a “New World: The Tupis”, jogo histórico desenvolvido por Alan Neves, de Guaramirim. Passado no século XVI, o jogo coloca o jogador na pele de um índio Tupinambá que busca resgatar membros de sua tribo abduzidos por colonos portugueses. Em dezembro, o título foi oferecido em um pacote de 12 jogos no site Indie Gala. “Eu já esperava que não fosse ser um super sucesso de vendas, então para mim foi uma boa experiência”, diz Neves. O jogo também foi apresentado na Game Cup 2017 e na Brasil Game Show. “O pessoal da Game Cup foi bem mais receptivo para os games indie, a cultura gamer aqui ainda está começando a explorar esse setor”, complementa.

Tratando de conflito entre portugueses e tupinambás, The Tupis, do Guaramiriense Alan Neves, chamou atenção em convenções | Foto Divulgação/OCP

Primeiro título de Neves, The Tupis está quase terminado, faltando ainda corrigir alguns problemas. Agora, Neves se prepara para um projeto mais cômico, com menos recursos. “Para fazer um título sério rentável precisa de um bom investimento e de uma boa equipe”, destaca.

Para Arones, o essencial no mercado é um bom trabalho de divulgação, dado o imenso número de jogos no mercado: só na loja virtual Steam, são mais de 16 mil títulos. Na Google Play Store, são mais de 650 mil. O diferencial, além da qualidade, é saber divulgar. Arones, por exemplo, ganhou destaque com games pautados em memes – como” Taca lhe Pau, Marcos!” e “Top dos Falsetes” – aproveitando o potencial viral dos mesmos. “As pessoas vieram por conta do meme, mas continuaram jogando por causa da qualidade”, ressalta.

Reconhecer as demandas e oportunidades do momento também foi o segredo por trás do sucesso de “Run Gringo Run”, com destaque em publicações estrangeiras como The Independent e The Washington Post. Desenvolvido por uma equipe de três programadores, um artista gráfico e três modeladores terceirizados, o jogo causou controvérsia. Segundo Ritchie Cantuaria, houve quem se ofendesse, mas a maior parte do público entendeu a crítica social bem humorada – e a repercussão na imprensa estrangeira ajudou a promover o título.

MOVIMENTAÇÃO NACIONAL 

O mercado nacional conta com múltiplos eventos para promoção de novos títulos – muitos dos quais com destaque para games brasileiros. Entre os eventos nacionais, se destacam a Brasil Game Show, realizada em outubro, e o Big Festival, centrado em jogos independentes, promovido pelo site IGN em junho.

Para promover novos negócios e profissionalização, nesta semana (31) o Ministério da Cultura lançou um programa em parceria com a Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames) e o Núcleo de Estudos em Economia Criativa e Cultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Neccult-UFRGS), com o primeiro de três cursos gratuitos para a capacitação dos desenvolvedores de games no Brasil. Com 30 horas de duração, o curso “O setor de games no Brasil: panorama, carreiras e oportunidades” é oferecido pela plataforma Lúmina. Os próximos dois cursos focarão em dicas e desafios para empreendedores e em internacionalização no setor de games.

A Abragames também anunciou a realização de um censo nacional da indústria, para ter números atualizados dos produtores, revendedores e consumidores de games no país. Segundo a entidade, os últimos dados aprofundados sobre o setor no país são dados do IBGE de 2014.