Há 30 anos, Plano Real sufocava o monstro da Inflação

Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

Por: Pedro Leal

29/06/2024 - 06:06

Na próxima segunda-feira (1º), completam-se 30 anos do Plano Real, plano de estabilização econômica do Governo de Itamar Franco, que, após 11 anos e 13 planos econômicos, encerrou uma série de crises inflacionárias que se alastravam desde 1979.

A entrada em circulação do real em 1º de julho de 1994 mudou o cenário de uma inflação que havia chegado a 4.922% em junho de 1994. O resultado do plano impressiona: nos 30 anos que se passaram, a inflação acumulada foi de 708,01% – poderia ser melhor, sim, mas um acumulado infitesimal se comparado à inflação acumulada entre 1980 e 1994: neste período de 14 anos, a inflação somou 13.342.346.717.671,70% – treze trilhões, trezentos e quarenta e dois bilhões, trezentos e quarenta e seis milhões, setecentos e dezessete mil, seiscentos e setenta e um vírgula setenta porcento.

As tentativas de controlar a inflação exorbitante no período passaram por cinco moedas – o Cruzeiro (1970 – 1986), o Cruzado (1986 – 1989), o Cruzado novo (1989 – 1990), o Cruzeiro (1990 – 1993) e o Cruzeiro real (1993 – 1994), acompanhadas a cada vez pelo corte de zeros da moeda; ao fim da vida do Cruzeiro, a desvalorização da moeda chegou ao ponto da emissão da cédula de 500 mil cruzeiros e a cogitação de cédulas de um milhão e cinco milhões de cruzeiros.

O sucesso do Plano Real se explica por uma combinação de fatores, afirma Felipe Salto, economista-chefe da Warren: técnicos preparados, uma boa tese em torno da qual surgiu a ideia da URV, aprendizado com os fracassos passados, e, sobretudo, a liderança política do então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.

Felipe Salto destaca que o governo precisa recuperar a capacidade de planejar, melhorar o nível de investimentos e avaliar os gastos púbicos. | Foto: Divulgação

“Celebrar o aniversário do Plano Real é celebrar o fim definitivo da hiperinflação, o aumento do bem-estar social, a redução das desigualdades e a forte elevação da renda real das famílias. O aniversário do Real nos permite comemorar também a inteligência da academia brasileira, que pariu o plano, com Persio Arida, Lara Resende, Edmar Bacha e outros, e a boa política, no padrão democrático e pedagógico estabelecido naquele período por FHC, com o apoio do Presidente Itamar Franco”, diz Salto.

E adiciona. “A conquista da estabilização monetária deveria ser o primeiro passo para crescer. Até hoje, entretanto, estamos patinando. O Brasil cresce hoje muito menos do que já cresceu no passado. A ideia de que bastaria estabilizar e garantir a autonomia ao Banco Central, combinando-a com a responsabilidade fiscal, para que os juros diminuíssem e o investimento reaparecesse se mostrou falha”.

Capacidade de planejamento

Felipe Salto frisa que o Estado precisa recuperar a capacidade de planejar, melhorar o nível de investimentos e avaliar os gastos púbicos que faz. Precisamos, na verdade, de uma reforma orçamentária e fiscal que restabeleça a capacidade de planejamento estatal. Nesse sentido, a pedagogia democrática do Real seria bem-vinda. Há um desafio enorme posto ao governo de plantão.

“A literatura mostra que não basta ter regras. É preciso cumprir. E o compromisso político em torno das regras é tão importante quanto formular bem uma lei sobre o tema. É necessário garantir a flexibilidade, a transparência e a impositividade das regras. As três coisas são importantes”, afirma.

Estes fatores se demonstram especialmente importantes em um momento de transição com o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária a caminho, e o desafio de um dólar cotado agora a R$ 5,51 e uma taxa de juros básica de 10,5% ao ano.

“O Novo Arcabouço Fiscal tem tudo para dar certo. Mas o governo terá de mostrar empenho e, mais do que empenho, conter as despesas e elevar permanentemente as receitas. Não tem escapatória. E, muitas vezes, nos últimos anos, temos tentado buscar atalhos e caminhos fáceis. Não adianta. E nenhuma regra dará certo se não houver efetivo compromisso com o controle do gasto público”.

“Os juros altos refletem o desajuste das contas públicas. A taxa neutra de juros é elevada no Brasil porque poupamos pouco, gastamos em demasia e gastamos mal. A produtividade baixa também explica isso, porque limita as condições de crescimento econômico, de oferta, de produção, o que limita o crescimento com inflação baixa e juro baixo. O Plano Real nos legou o controle definitivo da hiperinflação, porque debelou boa parte do incentivo à indexação e acabou com boa parte da inflação inercial”, explica Salto.

Apesar do sucesso em dar o fim a inflação monstruosa que marcou, em especial, a virada dos anos 1980 para os anos 1990, os trinta anos do real ainda são marcados por uma moeda desvalorizada – do cambio fixo em 1:1, o real hoje perdeu 82% do seu poder de compra diante do dólar.

A taxa de câmbio fixa foi um instrumento importante. Quando saímos do regime de câmbio fixo, em 1999, cinco anos pós Plano Real, o juro precisou ser fixado em patamares estratosféricos, mas, depois, com a geração de superávits primários, derrubamos fortemente a Selic. Os juros poderiam ser bem mais baixos, hoje, no Brasil, se tivéssemos o lado fiscal mais equilibrado.

 

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Pedro Leal

Analista de mercado e mestre em jornalismo (universidades de Swansea, País de Gales, e Aarhus, Dinamarca).