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Entrevista: Reforma tributária não é cálculo simples, diz Roberto Padovani

Foto: Fábio Junkes/OCP

Por: Pedro Leal

05/07/2023 - 09:07 - Atualizada em: 05/07/2023 - 20:34

O economista chefe do BV, Roberto Padovani esteve esta semana em Jaraguá do Sul, ocasião em que visitou a Rede OCP de Comunicação e conversou com a redação sobre temas pertinentes da economia, entre eles o projeto da reforma tributária e o cenário demográfico do país, ante ao menor crescimento já registrado pelo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Roberto Padovani é economista formado pela Universidade de São Paulo, administrador pela Fundação Getulio Vargas e mestre em economia também pela FGV.

Economista-chefe do Banco Votorantim, atual BV, fez parte anteriormente do time global do Banco WestLB, sendo responsável pela América Latina. Foi sócio por 10 anos da Tendência Consultoria e assessor do Ministério da Fazenda durante o Plano Real.

Confira a entrevista:

Qual é a sua opinião sobre o projeto da reforma tributária? Qual é o impacto sobre o consumo e a maneira como esses impostos (como ICMS, IPI e outros impostos agregados) serão esclarecidos ao consumidor?

Qual que é a ideia da reforma? É reduzir um pouco da carga sobre a indústria e tentar distribuir mais os impostos para outros setores. Equalizar um pouco a questão setorial, a carga setorial e simplificar o sistema. Se isso acontece, tem muitos estudos que mostram que pode ter um impacto muito forte no PIB, no PC. E todo mundo tem usado como referência a experiência na Índia, que fez uma reforma tributária importante, gerou um crescimento de um ponto percentual a mais a cada ano.

Então, alguns estudos mostram isso. Por exemplo, vamos supor que em 2024 a economia brasileira vá crescer ponto percentual e meio. Em 2025, com a reforma, cresceria dois e meio, um ponto percentual a mais. Então, é difícil fazer essas estimativas, mas a leitura de modo geral é que a reforma, ao simplificar o sistema, aumentar a eficiência econômica do país e evitar distorções econômicas, isso tudo pode gerar um ganho de produtividade muito grande.

Eu noto que tem um consenso de que a reforma é necessária para aumentar a produtividade, ao atrair investimentos e gerar crescimento e emprego. Essa é a segunda parte da tua pergunta. A primeira parte, quais são os desafios para aprovar essa reforma? Isso é muito complexo. A primeira complexidade tem a ver com a suposta neutralidade dessa reforma. Se a gente por um lado alivia a carga na indústria, qual será a carga adicional nos demais setores?

Isso não é um cálculo simples. Segundo, existe uma questão não setorial, mas uma questão federativa. Uma das ideias aí nessa proposta é ampliar a base de tributação, juntando o imposto de consumo e serviço, o ICMS com ISS. E aí vem o problema. Será que os estados e municípios estarão dispostos a abrir mão da administração tributária? É um outro ponto.

Aí tem um terceiro ponto que é a gente fazer uma reforma neutra e uma dessas neutralidades é você pegar a carga atual e transformar a carga atual numa alíquota específica do novo imposto. Mas será que isso é verdade? Será que o governo vai usar a reforma como uma oportunidade de aumentar a carga dado que é um governo que tem buscado receitas?

Quanto cada setor vai pagar mais de imposto? Como os estados e os municípios vão poder continuar administrando sua arrecadação? Quais são os riscos para os entes federativos? Então quando você começa a olhar os detalhes da reforma, a negociação supostamente começa a ficar mais complexa. E aí eu vou fazer um terceiro e último ponto que não tem nada a ver com o desenho da reforma, seus impactos ou a dificuldade, a complexidade da reforma em si, que é uma questão política.

O que a gente aprende na experiência internacional, na literatura acadêmica, é que essas grandes reformas, elas acontecem em um momento em que a sociedade está muito estressada, está demandando mudanças. Normalmente isso acontece em crises econômicas e políticas. Então quando você tem uma crise econômica, o custo de manter as coisas como estão é muito alto.
E foi um pouco o cenário que a gente viveu em 2015. Por isso as reformas do Temer e do Bolsonaro. Ainda no governo Bolsonaro de 2019 você tinha um ambiente de saída, de recessão. Em 2020 a gente também tinha pandemia. Nesses momentos de tensão econômica e social, o cálculo de todo o setor é: “talvez eu me prejudique com essa reforma, mas o país ganha e a gente tem que fazer alguma coisa para que o bem estar volte”.

Em situações de crise é muito mais claro você apoiar mudanças do que em situações de não crise. O que a gente está vivendo hoje, em 2023, é uma situação de não crise. A economia deixou para trás duas recessões, vem em um índice muito importante, e é claro que esse ano vai ter uma desaceleração, principalmente por causa do crédito. Mas não é o ambiente em que haja uma tensão social que pressione o sistema político para um governo de mudança. É um tema muito complexo e eu acho que as dificuldades estão sendo subestimadas. É uma rua muito mais esburacada do que as pessoas estão imaginando.

 

Falando um pouco sobre a questão da taxa de juros, que toda semana está em voga. O que você nota sobre essa taxa que o governo vem tanto embatendo com o Banco Central para diminuir? O que significa isso para o momento atual?

A taxa básica de juros no Brasil está em 13,75%. Todo mundo critica, porque é muito alta. Mas por que ela está em 13,75%? Porque a inflação no Brasil alcançou 12%. Como o nosso país tem um passado infacionário, o Banco Central tem que sempre ser muito firme na reação a uma alta inflacionária. Porque senão as pessoas vão entender que esse banco central vai deixar a inflação alta por um período. Então, historicamente, a gente tem que reagir rápido à inflação.

Na Europa e nos Estados Unidos, já se tem um passado de estabilidade, não se tem inflação alta há quatro décadas, então os bancos centrais lá podem ser um pouco mais tolerantes com a inflação, fazer uma convergência mais lenta. Aqui no Brasil não, dado o nosso passado recente inflacionário não se sabe se o Banco Central está fazendo uma convergência lenta, ou se está simplesmente dizendo que a inflação vai ficar mais alta a partir de agora. O Banco Central foi obrigado a colocar essa taxa de juros acima da inflação. Esse é o meu primeiro ponto.

O segundo ponto é que a inflação já caiu. Ela estava em 12%, e no úlitmo dado do IPCA, do dia 15 de junho, estava em 3,4%. Então ela caiu de 12 para 3. Quando nós avaliamos como os bancos centrais reagem, a gente chega a conclusão de que se a inflação caiu de 12 para 3, você abriu espaço para cortar taxa de juros, então por que ele manteve essa taxa de juros? Ele manteve basicamente pela agenda econômica do governo.

Essa agenda tem uma primeira parte que é aumento de gastos, o que faz com que as empresas mantenham os seus mercados e consigam repassar custos, o que acaba gerando inflação. E quando você quer cortar inflação você precisa desacelerar a economia. A primeira coisa que atrapalha a queda dos juros é a gente ter escolhido uma agenda econômica que tem como preferência o aumento de gastos, mas não é o único fator. O segundo fator é que teve uma crítica pública ao banco central, o que gera um desconforto.

Essa foi a primeira experiência no Brasil em que se teve uma transição política com um Banco Central independente, e houve um temor de que o presidente do BC fosse substituído, que o próprio projeto de autonomia do Banco Central fosse revisto e, que portanto, um novo Banco Central poderia assumir e aceitar uma inflação mais baixa. Então isso fez com que os economistas, junto com a questão do gasto público, falassem que talvez a inflação lá na frente seja mais alta. Esse foi o segundo fator. Tem que manter essa taxa alta porque se acredita na inflação elevada.

Aí teve um terceiro fator nas questões de metas de inflação. O governo foi claramente contra essa questão de metas de inflação. Isso só deixou de ser um tema na semana passada, quando o Conselho Monetário Nacional optou por manter a meta em 3%. Entre janeiro e junho este tema ficou no radar e todo mundo aceitava que o governo iria aceitar uma inflação mais elevada. Isso atrapalhou as projeções para frente.

Acho que a partir do mês que vem, agente começa um longo ciclo de corte de juros no Brasil. Mas assim, foi o corte que eu diria que foi atrasado pelas escolhas de agenda econômica do governo.

 

Outra questão é sobre previdência, com a queda no crescimento populacional apontada pelo IBGE e a perspectiva de termos uma população decrescente, que medidas devem ser tomadas para o futuro?

A primeira preocupação é com o equilíbrio fiscal das contas públicas, porque esse, basicamente, vai ter uma contribuição menor no sistema com a população cresce menos. O segundo ponto é que, como a população cresce menos, o país tende a crescer menos também, ter menos ofertas de mão de obra. Isso faz com que a gente tenha que ter, a partir de agora um esforço muito grande para aumentar a produtividade.

Dado que a mão de obra cresce menos, a oferta cresce menos e com essa oferta menor, você tem que produzir mais. Portanto, você tem que aumentar a produtividade. Tem várias formas de que a gente aumentar a produtividade no país. Você pode melhorar a qualificação da mão de obra, que é o caminho natural. Você pode tentar melhorar o ambiente de negócios para atrair investimentos e com mais investimentos você gera o aumento da produtividade total dos fatores, não só do trabalho. Você pode melhorar a infraestrutura para reduzir os custos de produção.

O fato é que essa informação que o IBGE nos trouxe mostra que o Brasil vai ter, a partir de agora, muitos desafios para manter as contas públicas equilibradas e o ritmo mais elevado do crescimento econômico.

Então a gente vai precisar ter uma agenda de produtividade, uma agenda de responsabilidade fiscal muito bem definida.

Que medidas o governo precisa tomar para aquecer a economia e gerar mais empregos?

Eu acho que do ponto de vista de curto prazo, há dois fatores importantes. Um é uma atividade que o Banco Central vem bem fazendo, que é controlar a inflação. A inflação não deixa de ser um imposto perverso e corrói a renda da população. Então dado um salário, se a inflação sobe muito, a população vai consumir menos, portanto fica a inflação menor. Então um esforço grande para o Banco Central derrubar a inflação.

O segundo fator é que se a inflação cair, o Banco Central ao longo dos próximos meses vai cortar a taxa de juros. E portanto vai trazer um alívio financeiro para as famílias e para as empresas.

Agora, essas são questões cíclicas. Os movimentos cíclicos não necessariamente tem a ver com capacidade de crescer a longo prazo. O país, para crescer a um ritmo maior nos próximos anos, precisa tocar em temas que a gente já falou aqui, que é a qualificação da sua mão de obra e investimentos em infraestrutura.

Eu acho que esse vai ser um desafio, porque o governo, como ele tem restrições orçamentadas, vai ter que ter uma parceria muito grande com o setor privado. Essa parceria vem acontecendo na forma de concessões. É preciso saber como são importantes concessões e quais vão acontecer nos próximos anos. Então você tem que investir em infraestrutura.

A reforma tributária é um ótimo exemplo. Você precisaria ter um menor estresse financeiro, o que implica em menor endividamento público de governos. Também é uma outra dúvida.

A curto prazo, eu acho que a queda da inflação e do juro ajuda. A médio prazo, pensando quatro, cinco anos à frente, a gente vai precisar de uma combinação de políticas que melhorem o ambiente de negócio levando ao crescimento. Eu elencaria isso.

A reforma tributária, a reforma administrativa, o governo, infraestrutura, a qualificação da mão de obra, são temas que acompanham o Brasil há algum tempo.

 

 

*Entrevista com a colaboração da jornalista Áurea Arendartchuk

 

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Pedro Leal

Analista de mercado e mestre em jornalismo (universidades de Swansea, País de Gales, e Aarhus, Dinamarca).