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Desempregado, doutor em engenharia espacial vende doces durante a pandemia

Foto: Getty Images

Por: Isabelle Stringari Ribeiro

20/05/2021 - 12:05 - Atualizada em: 20/05/2021 - 13:05

Maycol Vargas, de 33 anos, é graduado em engenharia aeronáutica, com mestrado e doutorado em engenharia e tecnologia espaciais, na área de combustão e propulsão, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ele é um dos milhões de profissionais brasileiros qualificados e subutilizados em meio à pandemia do coronavírus.

Depois de defender sua tese no início de 2020, o morador de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, enfim recebeu o título de doutor, mas se viu desempregado.

“Mandei currículo até para auxiliar de serviços gerais, mas está difícil. Montei um negócio próprio e estou fazendo doces, porque eu estava sem nenhuma renda. Isso me rende uns R$ 400, R$ 500 por mês, no máximo. Um profissional da minha área normalmente ganha na faixa de R$ 13 mil a R$ 15 mil.”

No mesmo período do terceiro semestre de 2019 e 2020, o número de trabalhadores com ensino superior desfavorecidos passou de 2,5 milhões para 3,5 milhões, um aumento de 43%.

Na população em geral, considerando todos os níveis de qualificação, os desfavorecidos passaram de 26,1 milhões a 32 milhões nesse mesmo intervalo, crescimento de 23%.

Quem são os desfavorecidos

Além dos desempregados, a desvalorização também inclui aqueles que estão trabalhando menos horas do que gostariam, que desistiram de procurar emprego ou que gostariam de trabalhar, mas por algum motivo não conseguem, por ter que cuidar dos filhos que estão fora da escola ou de idosos, por exemplo.

“A taxa de desemprego é uma medida super importante, mas ela deixa de fora todas essas pessoas que também estão numa situação de insatisfação com a situação de trabalho delas”, explica a economista e pesquisadora Ana Tereza Pires.

“A subutilização é um retrato mais amplo do mercado de trabalho e dessa ineficiência em alocar todo mundo que tem potencial de trabalhar dentro da força de trabalho”, acrescenta a economista.

“Especialmente nessa época de pandemia, essa é uma medida muito importante, porque muita gente desistiu de procurar trabalho ou estava procurando emprego, mas ficou indisponível para trabalhar, como no caso das mães. Então esse indicador dá conta de um contingente maior de brasileiros num momento de crise.”

O desemprego para quem tem ensino superior

A taxa de desocupação entre os trabalhadores com ensino superior é historicamente mais baixa do que a dos trabalhadores em geral. Entre o quarto trimestre de 2019 e igual período de 2020, ela passou de 5,6% para 6,9%, aumento de 1,3 ponto percentual.

Nesse mesmo intervalo, a taxa de desemprego para a população em geral subiu de 11% para 13,9%, um aumento de 2,9 ponto percentual.

Essa diferença no nível de desocupação entre os mais e os menos qualificado se explica pela parcela ainda relativamente pequena de pessoas com ensino superior no país. Segundo o IBGE, no quarto trimestre de 2020, apenas 16,5% da população brasileira em idade de trabalhar havia concluído o nível superior.

“Olhando a taxa de desemprego entre o final de 2019 e o final de 2020, ela cresceu muito no mercado de trabalho como um todo. Para quem tem ensino superior, houve um crescimento, mas não muito elevado”, observa Ana Tereza Pires.

“Isso poderia levar a crer que os trabalhadores com ensino superior não foram muito afetados pela crise decorrente da pandemia. Mas, quando olhamos para a subutilização, fica claro que as pessoas com ensino superior estão bastante representadas.”

A economista avalia que os mais instruídos foram menos afetados pelo desemprego na pandemia devido à maior possibilidade desses trabalhadores fazerem home office.

Segundo dados da pesquisa Pnad Covid-19 referentes a novembro de 2020 (o último dado disponível, posto que a pesquisa foi descontinuada pelo IBGE), dos 7,3 milhões de pessoas que estavam trabalhando de forma remota naquele mês, 76% tinham ensino superior completou ou pós-graduação.

Das três categorias de subutilização dos trabalhadores com ensino superior analisadas pela pesquisadora, o número de trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas cresceu 13%; o de desocupados aumentou 33% e pessoas na força de trabalho dobrou, com um avanço de 138% entre o fim de 2019 e o começo de 2020.

Um grupo importante desses trabalhadores subutilizados com ensino superior são os recém-formados. Historicamente no Brasil, o desemprego sempre foi maior para a população mais jovem, de todos os níveis de instrução.

 

Empregadores

Um outro grupo relevante de pessoas qualificadas e desvalorizadas na pandemia são os empregadores que estão trabalhando menos do que gostariam, devido às restrições ao funcionamento de empresas, particularmente no setor de serviços.

Conforme o levantamento, 41% dos trabalhadores qualificados e subutilizados eram chefes de família no quarto trimestre de 2020 e 58% eram brancos.

A empresária Renata Dornelles da Cruz, de 38 anos formada em turismo e jornalismo, com especialização em Moda, Criatividade e Inovação pelo Senac, não é branca, mas é um exemplo desses pequenos empresários que estão trabalhando menos do que gostariam na pandemia.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Proprietária, ao lado de duas sócias, do salão de beleza especializado em cabelo afro Africaníssimas em São Leopoldo (RS), com a queda de movimento devido às restrições impostas pelo coronavírus e sem conseguir renegociar o aluguel, em março deste ano, as sócias tiveram de devolver o espaço que ocupavam numa galeria na região central de São Leopoldo e instalaram o salão num imóvel próprio no bairro mais afastado de Cohab Feitoria.

“Antes eu ia ao salão todo dia. No ano passado, passei a ir no máximo duas vezes por semana e ficar só meio turno, para deixar mais espaço para as clientes e porque moro com meus pais que são grupo de risco”, conta Renata, que cuida do marketing, das redes sociais e da gestão financeira da empresa.

“Esse ano, com a mudança de endereço, estou totalmente em modo remoto. Como não tem mais tantos clientes, não tenho mais tanto conteúdo para produzir. Antes eu trabalhava com as tarefas do salão todos os dias, de segunda a sábado, quando não domingo. Agora, resolvo tudo em duas manhãs”, relata Renata.

Efeitos econômicos

Apesar de as histórias de desemprego e desvalorização entre os mais qualificados serem menos dramáticas do que entre os menos qualificados, que em geral são a população de baixa renda, a perda de rendimentos entre os mais escolarizados gerou efeito sobre a economia como um todo.

O motivo foi porque são esses trabalhadores que recebem a maior parcela da massa de rendimentos do país. Com isso, eles também são responsáveis pela maior parte do consumo, movimentando assim a economia.

“Quem tem ensino superior no Brasil não é a maioria, mas sem dúvida é quem concentra a maior quantidade de renda e quem mais acaba demandando produtos e serviços”, explica Ana Tereza Pires.

“Por exemplo, o serviço de empregada doméstica e serviços não essenciais como salão de beleza e restaurantes, são muito mais demandados por pessoas com ensino superior e maior nível de renda. Então esses serviços acabam sendo afetados”.

De acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) publicado no fim de abril, entre o quarto trimestre de 2019 e igual período de 2020, o contingente de trabalhadores domésticos do Brasil diminuiu de 6,4 milhões para 4,9 milhões, o que representa 1,5 milhão de pessoas a menos prestando esse tipo de serviço.

“Todo o cenário econômico nesse momento está condicionado ao combate à pandemia e à estratégia de vacinação. Se tivermos uma campanha de vacinação efetiva, os mais qualificados vão voltar a trabalhar como antes, já que eles no geral são mais demandados. Mas é difícil traçar um cenário quando as estratégias de vacinação estão tão incipientes”, concluiu.

Com informações da BBC News.

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Isabelle Stringari Ribeiro

Jornalista de entretenimento e cotidiano, formada pela Universidade Regional de Blumenau (FURB).