ESPECIAL – 4.0 A Indústria do futuro

Por: Gabriel Junior

24/10/2016 - 14:10 - Atualizada em: 31/07/2017 - 15:47

Por Kamila Schneider

Desde o princípio da era industrial, muito se questiona sobre as mudanças que um novo modelo produtivo é capaz de trazer para o cotidiano da sociedade. Não é possível mudar a interface produtiva do mercado sem, como consequência, alterar o modo como as pessoas interpretam e se relacionam com os itens que consomem. O mesmo vale para o caminho inverso – mudanças de consumo estimulam releituras no processo produtivo.

Fato é que o desenvolvimento acelerado de novas tecnologias e a cadeia cada vez mais intrincada de dados e conexões têm gerado uma mudança significativa na interface produtiva do século 21. Chamado de Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial, este novo modelo promove a integração de tecnologias digitais de uma forma nunca vista antes, afirma o gerente-executivo de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), João Emílio Gonçalves.

“Neste modelo, big data, computação em nuvem, computação cognitiva, robótica e manufatura aditiva (impressão em 3D) se agrupam de forma variada utilizando a internet em prol da produção industrial”, resume Gonçalves. E esta proposta se aplica em duas dimensões. Em termos de produção, surge para trazer eficiência, produtividade, inovação e, principalmente, integração interna e com os fornecedores e clientes, explica o gerente da CNI. É como um parque fabril onde as máquinas conversam para antecipar problemas, simular processos, desenvolver produtos e aumentar a velocidade de produção.

A outra dimensão, de produto, traz a proposta de customização em massa, explica Gonçalvez, quando a flexibilidade de produção é tão grande que permite, mesmo em grande escala, customizar itens sem perder produtividade. “A máquina ‘conversa’ com a própria matéria prima, que determina ferramentas e processos a serem utilizados. Isso encerra certas desvantagens competitivas geradas pelas diferentes escalas de produção, pois não é mais preciso produzir grandes lotes para ter eficiência”, descreve.

Uma realidade que já começa a ser sentida

O termo Indústria 4.0 começou a ser utilizado na Alemanha em 2013, mas, segundo o diretor do Senai de Santa Catarina e professor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, Jefferson Gomes de Oliveira, não remete a um futuro distante e tem impactado na maneira como compreendemos o mercado agora. “A tecnologia surge com uma intensidade que não conseguimos mais notar. Como consequência, temos muitos novos tipos de negócios (a exemplo do über), que estão mudando completamente o formato do que imaginamos como um dia a dia de trabalho natural”, afirma Oliveira, considerado um dos principais especialistas brasileiros no tema.

Segundo ele, a previsão é que num futuro próximo existirão quatro tipos distintos de plantas industrias. O primeiro deles será composto por máquinas utilizadas hoje, acopladas a sensores de medição de produtividade e desempenho, enquanto os outros três modelos são mais futuristas e menos dependentes da atuação humana. “Teremos plantas industriais com máquinas inteligentes, conectadas umas às outras e com inteligência artificial acoplada, feitas para a produção em massa. Teremos ainda o modelo de produção em massa customizada, em que será possível escolher desde a sola até um sensor de temperatura no seu sapato, por exemplo, com altíssima produção. O quarto tipo é o chamado e-plant, a produção por impressão 3D, que poderá ser feita dentro da sua casa”, descreve.

Outra mudança provocada pela Indústria 4.0 envolverá os home offices. A tendência, que deve evoluir de forma gritante nos próximos anos, ganhará uma nova interface, avalia Oliveira. “Será possível instalar sistemas de supervisão, em que o próprio software monta um banco de dados para o empregador sobre como o empregado está trabalhando, a capacidade dele, a frequência de trabalho, a variação, a velocidade. Será um home office mais automatizado”, diz o especialista.

evolução

Os conceitos-chave da quarta revolução industrial

Dentro da ideia de Indústria 4.0, três conceitos ajudam a construir a nova proposta de produção e relação de trabalho. O primeiro deles é o conceito de Sistema Ciber-Físico (CPS, em inglês), que refere-se a uma nova geração de sistemas capaz de integrar o mundo virtual e o mundo real. “No contexto de uma fábrica, é o sistema cibernético que interage com o sistema físico, por meio de sensores, identificando problemas, diagnosticando ações e prevendo falhas”, explica Gonçalves.

A comunicação entre as realidades virtual e real se dá por meio da Internet das Coisas (do termo Internet of Things – IoT). “Em resumo, é quando um equipamento consegue se comunicar com outro equipamento”, detalha Gonçalves. Um exemplo famoso desta integração no cotidiano são as geladeiras inteligentes – conforme o especialista da CNI, futuramente este eletrodoméstico será capaz de perceber quando um alimento estiver acabando e realizar, por conta própria, uma nova compra.

Em cidades como Singapura, o conceito vem sendo aplicado na criação de espaços urbanos inteligentes. Por lá, carros se comunicam com semáforos para modificar o tempo de espera, ao mesmo tempo em que as vias colhem dados sobre o trânsito para prever os locais onde acontecerão os engarrafamentos com pelo menos uma hora de antecedência.


cinco desafios

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Os impactos no mercado de trabalho

Tantas mudanças na interface da indústria trazem também novas perspectivas para o ambiente de trabalho: estimativas indicam que 65% das posições que serão ofertadas nos próximos anos ainda não existem. Diante deste cenário, fica a questão: como preparar os profissionais hoje para as demandas da indústria do futuro?

De acordo o diretor do Senai de Santa Catarina e professor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, Jefferson Gomes de Oliveira, a resposta está em um novo modelo de educação, capaz de estimular o pensamento crítico, a autonomia e a resolução de problemas. Este modelo já começa a sair do papel em Santa Catarina. No Senai, por exemplo, projetos pilotos visam criar espaços capazes de unir tecnologia e criatividade, mesclando ambientes físicos e virtuais. Um destes projetos acontece aqui em Jaraguá do Sul e recebe o apoio de dez empresas da região.

Para o diretor do Senai, a formação de profissionais deve ser baseada em dois pilares: a capacitação de jovens, o chamado upskilling (termo utilizado para descrever o processo de aperfeiçoamento profissional); e a atualização de profissionais, o reskilling (que se refere ao aprendizado de novas habilidades). “Temos que pensar que a geração que chega agora ao mercado é a primeira da história que não sabe o que é viver sem internet. Por outro lado, daqui a cinco anos, metade da força industrial de Santa Catarina terá mais de 40 anos. É um choque de gerações. A nossa missão é formar estas pessoas”, afirma Oliveira.

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Outro aspecto importante está no perfil dos profissionais do futuro. Conforme Oliveira, para acompanhar os anseios do consumidor, que busca cada vez mais consumir significados, e não produtos, o mercado de tecnologia precisa ampliar sua sensibilidade – e isso passa pela miscigenação de gêneros no ambiente tecnológico.

“Profissões de contato social são hoje dominadas pelas mulheres, enquanto as de tecnologia são massivamente masculinas. Precisamos mixar os gêneros no ambiente da tecnologia. São percepções distintas e temos que ampliar nossa noção de demanda e mercado”, destaca o diretor.