A insana e psicopata prática de tortura até a morte, seguida de desaparecimento do cadáver, é uma das expressões mais brutais e primitivas do poder e do desprezo pela dignidade humana. Essa prática não surge do nada: ela é fruto de estruturas sociais que desumanizam o “outro”, transformando-o em um inimigo a ser eliminado não apenas fisicamente, mas simbolicamente. O desaparecimento do corpo é a consumação desse processo, apagando não só a vida, mas também a memória da vítima, negando-lhe até mesmo o direito ao luto.
De onde vem esse sentimento?
A tortura sistemática e o apagamento dos corpos emergem em contextos de extremo autoritarismo, onde o Estado ou grupos dominantes buscam instilar terror. Hannah Arendt, ao analisar os regimes totalitários, mostrou como a violência extrema visa não apenas punir, mas destruir a identidade do indivíduo, reduzindo-o a um objeto descartável. Esse impulso cruel está ligado a uma lógica de dominação que nega a humanidade do outro, tratando-o como um “não-ser”.
Zygmunt Bauman, em “Modernidade e Holocausto” argumenta que a burocratização da violência permite que atos brutais sejam cometidos sem remorso. O torturador não vê sua vítima como um igual, mas como uma ameaça, um obstáculo ou um “subumano”. A tortura, portanto, não é apenas um meio de extrair informação ou impor castigo, mas um ritual de poder que reafirma a hierarquia entre opressor e oprimido.
Qual o sentido de torturar?
A tortura prolongada até a morte não tem apenas um objetivo pragmático; ela é um espetáculo de dominação. Michel Foucault, em “Vigiar e Punir”, descreve como o suplício público na Idade Média servia para demonstrar o poder soberano. Hoje, mesmo quando oculta, a tortura cumpre função semelhante: é uma mensagem para os que resistem. O desaparecimento do corpo intensifica esse terror, pois cria uma ausência deliberada, uma incerteza que paralisa as comunidades.
Uma crítica humanista
Do ponto de vista sociológico humanista, essa prática é a negação radical da ética. Para pensadores como Emmanuel Lévinas, a face do outro nos interpela, exigindo responsabilidade. Torturar e desaparecer com um corpo é romper com esse princípio fundamental, substituindo a alteridade pelo vazio. É a barbárie que se esconde sob o discurso da ordem, da segurança ou da ideologia.
A luta contra essa violência exige além de denúncia, a reconstrução de uma sociedade mentalmente sadia, que reconheça a humanidade do outro. Enquanto houver tortura e desaparecimento, não há justiça possível, apenas a sombra de um poder que teme, acima de tudo, a memória dos que tentou apagar.