O Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE/SC) apertará o cerco contra a violência de gênero nas eleições de 2024. O anúncio foi feito pela Ouvidora da Mulher do TRE/SC, desembargadora federal Ana Cristina Blasi, durante seminário promovido pela Bancada Feminina da Alesc, realizado nesta quinta-feira (7).
“Vou ser a responsável em acolher as denúncias das mulheres que sofrerem violência política de gênero. Contem comigo, ano que vem será pesadíssimo em denúncias de violência de gênero, LGBTQI+, mulheres e racismo. Posso garantir, vocês vão ter o acolhimento do TRE/SC. Como vai evoluir? Não sei. Será uma loucura, teremos muitas denúncias e vamos trabalhar para dar uma resposta, vamos estar lá para receber de braços abertos”, confidenciou Ana Blasi.
Segundo a desembargadora que também integra o Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4), em dois meses o Tribunal Federal recebeu cinco denúncias de violência política contra mulheres, entre elas a de uma dirigente partidária, que não figura como sujeito passivo de crime pela Lei Federal nº 14.192/2021, que criminaliza a violência política.
“A lei da violência política protege a mulher que está no exercício do mandato ou em campanha, só ela é sujeita passiva do crime. Liderança partidária não é acolhida pela lei, mas já existe projeto para ampliar o sujeito passivo”, revelou Ana Blasi.
No caso concreto, segundo a integrante do TRF-4, a mulher foi ameaçada de várias formas, inclusive de ser queimada com gasolina.
“Como não é possível utilizar a lei de violência política no caso da dirigente, usamos a Lei de Segurança Nacional (Lei 14.197/2021), que pune aqueles que praticam violência contra a mulher, com base nesse artigo (Art.359-P) assumi minha competência federal”, justificou Ana Blasi.
A desembargadora recomendou às mulheres candidatas e dirigentes partidárias a ter uma rede de contatos para saber onde denunciar os casos de violência e jamais deixar de acolher as vítimas. Para os homens, Ana recomendou o aprendizado do ouvir com cuidado, além de dar credibilidade aos relatos das vítimas.
A deputada Paulinha (Podemos) creditou à cultura machista a violência sofrida pelas mulheres na política.
“Para entender a violência política tem de revisitar a história das nossas vidas: fomos treinadas para sermos boazinhas e na política nem sempre se consegue desempenhar este papel. A mulher não tem uma coragem estratégica, ela acredita em uma causa e não vê mais nada na frente dela, daí a gente se torna previsível, o que facilita o jogo para os nossos colegas homens nos neutralizar e nos deixar de fora da pauta”, analisou Paulinha.
Para a deputada, atualmente a disputa entre os sexos na política se caracteriza por uma espécie de guerra fria.
“O que nos arranca do jogo é a guerra fria do que acontece nos bastidores: o que se fala na tua ausência, porque na tua presença ninguém vai ousar zombar de ti, mas nas costas o sistema se reúne e mesmo os homens mais legais não se dão conta que foram educados no sistema”, pontuou Paulinha, que prometeu para 2024 destaque para a pauta da violência política de gênero.
Casos reais de violência política
Ana Candelmo, advogada, de Florianópolis, relatou invasões de lives de candidatas negras e alertou para a repetição desse tipo de crime em 2024.
“As lives invadidas eram de mulheres e os recados eram: mulheres negras e solteiras devem ser estupradas e mortas. Eram homens brancos os invasores e as mulheres foram se retraindo com o tamanho da violência”, informou Ana.
Denise dos Anjos Rosa, emocionada, explicou que foi ameaçada e garantiu que nunca mais “bota” o nome à disposição de um partido político.
“Fui candidata à vereadora, mas para candidata não me pegam mais, foi a pior experiência da minha vida, fui humilhada, fiquei anos sem colocar os pés nesta Casa. Fui ameaçada porque denunciei um desvio de verba, tenho até medo de falar, estava no grupo de WhatsApp denunciando e ao mesmo tempo entrou uma mensagem: ‘você sabe com quem está mexendo, melhor ficar quieta, porque se acontecer algo com ‘x’ ou ‘y’ você vai sofrer graves consequências’”, testemunhou Denise dos Anjos.
A vereadora de Criciúma, Giovana Vito Mondardo (PCdoB), contou sua vivência com a violência política, que vai de invasão de lives nas redes sociais, atribuição falsa de crimes, ameaça de morte e processo de cassação.
“O primeiro boletim de ocorrência (BO) que registrei foi em março de 2020, com a campanha na rua, com pandemia. Me atribuíram um crime nada brando, me associaram a uma pessoa que ia mandar queimar crianças. Fiz o BO por mentira e calúnia, dei entrevista na rádio contra essa pessoa que é deputada federal”, afirmou Giovana.
No dia da eleição, segundo a vereadora, atribuíram a ela outro crime jamais cometido.
“Um rapaz do mesmo campo político que o meu disse nas redes sociais que eu havia acobertado um estupro. No dia da eleição, uma hora da tarde. Até hoje tem, muita violência, parece que a ameaça de morte nem foi a pior experiência. Passei pelo machismo escancarado, nenhum projeto meu saía do jurídico da Casa, era inconstitucional. Ter resistido a tudo isso me fez virar cascuda, mas não quero que ninguém passe por isso, quero que o ambiente na Câmara de Criciúma seja mais seguro, que ninguém precise passar por isso”, explicou a vereadora, que também sobreviveu a um processo de cassação.
A deputada Luciane Carminatti (PT) também relatou um caso de violência que sofreu quando foi candidata a vice-prefeita de Chapecó.
“Em 2004 muita gente não lembra, mas tinha uma personagem da novela Celebridades, a Darlene, vivida pela atriz Deborah Secco. Fui candidata a vice e fui escalada para fazer a parte mais difícil, a crítica ao candidato a prefeito da outra chapa. Em determinado momento estou fazendo uma caminhada em um bairro pobre e um grupo de mulheres vem até mim chorando. ‘Você não sabe o que estão fazendo contigo’. Olhei para os meus colegas e todo mundo estava sabendo”, descreveu Carminatti.
De acordo com a representante de Chapecó, foi impresso um panfleto com o rosto da deputada “colado” em um corpo de uma mulher nua com a seguinte frase: você quer uma Darlene para a prefeitura de Chapecó?
“Espalharam cópias em todos os bairros. Minha mãe havia me alertado: ‘não entre na política, é suja, vão falar de você’. Nunca imaginei, a gente aprende a lidar, mas nunca esquece, vai para o túmulo, isso fica sempre com a gente”, afirmou Carminatti.
Um seminário para coroar uma jornada histórica
O seminário “Violência política contra as mulheres” encerra a programação de 21 dias de ativismo contra o racismo e a violência contra a mulher. O evento foi patrocinado pela Bancada Feminina da Alesc, pela Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira e pelo Observatório da Violência Contra a Mulher.