Principal incentivo cultural, Lei Rouanet movimenta economia em Jaraguá do Sul

Maior festival-escola de música erudita da América Latina, Femusc acontece com recursos da Lei Rouanet | Foto Eduardo Montecino / OCP News

Por: Elissandro Sutil

12/01/2019 - 05:01 - Atualizada em: 28/05/2024 - 14:08

Embora cercada por dúvidas e questionamentos, a lei nacional de incentivo à cultura, conhecida como Lei Rouanet, é hoje o principal mecanismo de fomento à cultura no país.

Em Jaraguá do Sul, alguns dos principais eventos e projetos da cidade, como o Femusc (Festival de Música de Santa Catarina), a Feira do Livro e o Música Para Todos (MPT) contam com recursos captados por meio dela.

Segundo a diretora executiva da Scar, Edilma Lemanhê, atualmente a Lei Rouanet é o principal mecanismo para fomento desses grandes projetos. Além de outros, como o da Orquestra Filarmônica e o A Escola Vai Ao Teatro, também desenvolvidos pela Scar.

“E esses projetos, em sua maioria, é de acesso garantido para quem tem menor condição financeira. No caso da Scar, nossos projetos todos passam por análise social, então, o intuito desse mecanismo, desse incentivo, é dar oportunidade de alguma forma a quem não teria essa oportunidade, é incentivar e fomentar realmente o acesso à cultura para a maior parte da população brasileira”, comenta a diretora.

Foi através da Lei Rouanet que a Feira do Livro pode se manter e ter continuidade em Jaraguá do Sul, crescendo e tornando-se hoje uma das feiras mais importantes de Santa Catarina, acrescenta o coordenador geral do evento, João Chiodini.

“Tem programação gratuita para todo mundo, e muitas das pessoas ou não iriam gastar dinheiro para ir assistir a uma peça de teatro, ouvir uma contação de história, e também mesmo que fosse um custo menor, não poderia ir. Então, a gente não só oportuniza com que as pessoas conheçam, participem, mas como também tenham a experiência sem precisar gastar seu dinheiro, que às vezes é curto”, relata Chiodini.

Como funciona a lei

Pela modalidade de incentivo fiscal, a Lei Rouanet permite que a pessoa física e a pessoa jurídica redirecionem parte do valor que pagariam inevitavelmente como Imposto de Renda para os projetos aprovados pelo Ministério da Cultura.

A pessoa física pode deduzir até 6% do que pagaria de IR, e as empresas – apenas as de lucro real – podem deduzir até 4%.

“Os recursos captados para esse projeto são do imposto de renda”, reforça a diretora da Scar. Ela explica que, no caso da pessoa física, a doação a algum projeto pode ser feita até o dia 31 de dezembro de cada ano.

Feira do livro é um dos projetos realizados no município com o apoio da lei | Foto Eduardo Montecino/OCP News

No ano seguinte, na época da declaração do imposto de renda, a pessoa declara o valor doado ao projeto, até o limite permitido, de 6% do que pagará de imposto de renda. Para ter uma noção de quanto representariam os 6%, Edilma sugere fazer o cálculo sobre os valores da declaração de 2017.

“A pessoa não vai tirar do bolso, ela vai antecipar [o que pagaria de IR], ela vai lançar esse aporte que ela fez agora este ano, lá em abril ela lança isso na contabilidade, e isso vai entrar no cálculo do todo, e de alguma forma isso vai voltar para ela, aí depende obviamente do que ela tem de coisas a declarar”, observa a diretora.

No caso da pessoa jurídica, o fechamento contábil é feito em dezembro, portanto, a empresa que tributa pelo lucro real pode fazer a sua doação de acordo com a apuração contábil deste ano.

Movimentação da economia local

Edilma destaca que o investimento da Lei Rouanet acaba retornando em benefício direto à população, assim como os recursos movimentam a economia local.

No caso dos projetos da Scar, existe o benefício direto, através das bolsas concedidas aos alunos dos projetos sociais e também com os ingressos gratuitos disponibilizados à população em geral para assistir peças teatrais e apresentações da orquestra filarmônica.

Além disso, há o retorno em impostos. “A gente não paga nada sem uma nota fiscal, e a mesma forma o projeto, você não pode pagar absolutamente sem nota fiscal, e aí quando gera a nota fiscal gera um novo imposto que volta para nossa cidade”, explica a diretora.

Dessa forma, cada centavo que a pessoa física ou empresa deduziu do imposto de renda e que iria à Brasília, “que a gente não sabe que fim teria esse recurso”, por meio da Lei Rouanet a aplicação desse imposto acaba não apenas sendo conhecida, mas também pode ser diretamente usufruída.

Femusc movimenta cena cultural e economia de Jaraguá do Sul | Foto Chan Fotografo

E além de acompanhar o fluxo do imposto, o doador acaba deixando recursos na cidade, gerando nova economia. No caso dos projetos da Scar, a diretora conta que existem 39 professores, sendo a maioria dos projetos incentivados pela Lei Rouanet.

“Nós estamos dando empregos para essas pessoas, gerando renda para essas pessoas e essa renda fica no nosso município”, completa.

Para o coordenador da Feiro do Livro, a forma como a Lei Rouanet funciona é muito boa para o governo, pois não há necessidade de destinar fiscais para os eventos patrocinados através da lei, já que as próprias empresas que doam fiscalizam o que acontece.

“As empresas da região que doam para a Feira do Livro estão lá vendo acontecer. Para o governo é uma coisa maravilhosa, tem alguém que deu o dinheiro e está fiscalizando a coisa, então [a lei] tem o seu benefício de ser como é”, avalia.

Desconhecimento sobre lei

Levantamento feito pela Fiesc, aponta que a região de Jaraguá do Sul teria capacidade de investir até R$ 15 milhões em projetos culturais e esportivos, através de leis de incentivo por meio de renúncia fiscal como a Lei Rouanet. No entanto, o valor investido atualmente é de R$ 4 milhões, menos de um terço da capacidade.

Na prática, isso significa, além de menos projetos, também menos pessoas atendidas, por exemplo, no caso dos projetos sociais da Scar.

Para o Música Para Todos, a Scar poderia atender até 300 alunos, mas hoje tem apenas 160, porque não consegue captar todo o recurso necessário.

Com a orquestra filarmônica, quinze concertos poderiam ser feitos por ano, mas com os recursos disponíveis são feitos apenas sete. “O projeto foi feito para mais, e a gente está fazendo menos porque não consegue captar recursos”, reforça Edilma.

Pontos controversos

O mecanismo de mecenato da Lei Rouanet se trata de um mecanismo de renúncia fiscal, com o objetivo de fomentar a cultura. Mecanismos como esse existem em outras áreas, como por exemplo, na indústria, para o fomento ao desenvolvimento econômico, geração de emprego e renda.

Em uma renúncia fiscal, a União, ou o Estado, abre mão de receber parte dos impostos que receberia das empresas e – no caso da Lei Rouanet – também de pessoas físicas, mas deve ter um benefício coletivo em contrapartida.

No entanto, no caso da Lei Rouanet, a decisão de onde aplicar esses recursos acaba sendo uma decisão de empresa privada ou pessoa física.

Nesse sentido, a escolha em doar ou patrocinar um projeto pode em alguns casos ficar a critério da contrapartida de publicidade que o projeto trará para a empresa, ou seja, projetos que têm maior alcance de público costumam ser mais beneficiados.

Apoio a eventos consolidados como o Rock In Rio é uma das críticas feitas a Lei Rouanet | Foto Divulgação

Ainda que os projetos que podem captar recursos pela Lei Rouanet são apenas aqueles aprovados pelo Ministério da Cultura, que os autoriza a fazer a captação dos valores, críticos à lei apontam que os critérios são muito gerais e, por isso, grandes eventos, como o Rock In Rio, ou artistas famosos conseguem captar recursos.

“Realmente acontece, é uma das falhas da lei, como tudo tem falha”, avalia João Chiodini. Ele defende que uma espécie de filtro seja criado para a aprovação dos projetos, no entanto, observa que julgar a fama de um artista se trata de uma questão subjetiva. Além disso, ele pontua que a grande maioria dos projetos não são propostos por grandes artistas.

O coordenador pondera que é preciso regulamentar algumas questões da lei, porém, acredita que a saída não seja acabar com o programa.

“Eu acho que existem mais benefícios, muito mais coisa boa que acontece do que questões dessa galera que se aproveita. Isso existe, como existe em tudo, como médico fantasma, como tem na Previdência, no esporte, mas tu vai acabar com um mecanismo por causa disso? A lei precisaria é de ter uma revisão”, reforça.

Além disso, Chiodini ressalta que, embora artistas famosos tenham projetos aprovados ou projetos para grandes eventos sejam aprovados, isso não significa que automaticamente essas propostas receberão recursos, já que são as empresas e as pessoas físicas que escolhem quais projetos desejam apoiar.

“A gente faz o projeto, aprova e com ele aprovado eu vou atrás de empresa por empresa apresentar o projeto e pedir apoio. Se a empresa acha que tem que apoiar quem está iniciando [por exemplo], é um posicionamento da empresa, e tem todo o direito. ‘Ah mas a Regina Duarte vai pegar dinheiro’, não, ela inscreveu um projeto como todo mundo, aí vai lá na empresa e se a empresa não acha certo, então ela não doa”, diz Chiodini.

Ele destaca que, nesse sentido, as empresas da região e de várias partes de Santa Catarina, têm muita seriedade na escolha dos projetos.

Ele cita, por exemplo, a iniciativa do Fundo Social, do Sesi, que indica projetos para serem apoiados. “Existe todo um movimento catarinense que leva muito a sério a questão da cultura e do dinheiro para onde vai.”

Conheça a Lei Rouanet

A Lei Rouanet, como é conhecida a Lei 8.313/91, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). O nome Rouanet se refere ao autor da legislação, o então secretário Nacional de Cultura, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet.

Tendo o objetivo de fomentar a cultura, a lei estabelece as normativas de como o Governo Federal deve disponibilizar recursos para a realização de projetos artístico-culturais.

Originalmente, a lei foi elaborada com três mecanismos: o Fundo Nacional da Cultura (FNC), o Incentivo Fiscal e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart).

No entanto, o Ficart nunca chegou a ser implementado, enquanto o incentivo fiscal – também chamado de mecenato – prevaleceu e chega ser confundido com a própria lei.

Impacto na economia do Brasil

Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), encomendado pelo Ministério da Cultura (MinC), além de impulsionar a economia criativa brasileira, a lei Rouanet gera dividendos para o País.

A cada R$ 1 investido por patrocinadores em 53.368 projetos culturais por meio da Lei em 27 anos, R$ 1,59 retornaram para a sociedade por meio da movimentação financeira de uma extensa cadeia produtiva, que vai desde a equipe contratada para construção de um cenário à logística de transporte necessária para a montagem de um show.

O impacto econômico total da Lei Rouanet sobre a economia brasileira foi de R$ 49,8 bilhões, concluiu o estudo.

O valor diz respeito à soma do impacto econômico direto (R$ 31,2 bilhões referentes ao valor total dos patrocínios captados historicamente, corrigido pela inflação) e do impacto indireto (R$ 18,5 bilhões, referentes à cadeia produtiva movimentada pelos projetos). 

Projetos de Jaraguá do Sul com apoio da Lei Rouanet

Música Para Todos (MPT)

É um processo de educação musical abrangente da Scar, que promove a formação de crianças, jovens e adultos. Em atividade desde 2003, o MPT alia tradição e reconhecimento, já tendo formado mais de 3 mil alunos.

Crianças, jovens e adultos aprendem música de forma gratuita em mais de 20 instrumentos, além de receber aulas de educação musical, canto coral e prática de conjunto, num sistema de ensino eficaz e completo para a educação artística de novos talentos.

Feira do Livro

Com acesso gratuito a debates e contações de história, oferece milhares de livros, com preços a partir de um real.

O objetivo geral na realização da Feira do Livro de Jaraguá do Sul é possibilitar e incentivar o acesso ao livro e à leitura.

Isso é feito por meio de um evento gratuito e democrático, incentivando o contato de crianças, jovens e adultos com livros e autores.

Femusc

Maior Festival Escola de Música Erudita da América Latina. Como um festival-escola não competitivo, são ministradas oficinas instrumentais e de canto, certificadas por professores de prestígio.

É o mais completo festival do Brasil, abrindo oportunidade para cursos em três programas, profissional, avançado e intermediário, oportunizando a participação de alunos iniciantes.

Professores e alunos apresentam concertos em vários locais e cidades que são apreciados por um público heterogêneo, garantindo que o produto cultural chegue a todas as classes sociais.

Projeto Mais Dança

O Projeto Mais Dança, da Scar, tem o propósito de introduzir a arte da dança na vida de mais de 150 crianças e jovens.

O projeto oferece aulas gratuitas nas modalidades de Ballet Clássico, Jazz, Danças Urbanas, Dança Contemporânea e Dança Criativa, além de atividades de Musicalização, Percussão Corporal e Condicionamento Físico.

O resultado desse trabalho é oferecido à comunidade através da realização de duas Aulas Abertas (com caráter didático) e por meio de um Espetáculo de Gala anual.

Orquestra Filarmônica

Composta por 40 músicos com ampla experiência, a Orquestra Filarmônica da Scar tem se estabelecido como uma das mais atuantes orquestras catarinenses.

Seus projetos de circulação têm percorrido o estado formando plateias, estimulando a carreira dos músicos participantes e encorajando a formação de novos artistas.

Com concertos que combinam repertório erudito e popular, a Orquestra Filarmônica da Scar populariza o gênero e preserva a música ativa na região.

Documentário Territórios Da Memória

Documentário de 52 minutos, sobre a relação entre geografia e memória nos habitantes do Vale do Itapocu em Santa Catarina, composto pelos municípios de Jaraguá do Sul, Guaramirim, Corupá, Massaranduba e Schroeder.

A abordagem, terá foco na ligação pessoal/afetiva que os moradores construíram com o lugar onde habitam ao longo dos anos e as contradições entre história e memória, entre o fato acontecido e a lembrança criada.

 

Quer receber as notícias no WhatsApp?

Notícias no celular

Whatsapp