Pequenos jaraguaenses com mentes brilhantes: saiba como identificar uma criança com altas habilidades

Da esq. para a direita: Helena, 8 anos, e Antônio, de 5 | Fotos: Arquivo pessoal

Por: Elisângela Pezzutti

03/06/2023 - 07:06 - Atualizada em: 05/06/2023 - 12:10

Toda as segundas-feiras, Antônio Arsego, de apenas 5 anos, frequenta um contraturno de aceleração pedagógica na escola que estuda em Jaraguá do Sul. Ao longo da semana intercala atendimento com psicóloga e neurofisioterapeuta, e aos sábados faz atividades com neuropsicopedagoga, além de integrar a turma de Xadrez e Futsal da escola. A agenda cheia é para garantir acompanhamento especializado ao menino que, aos 4 anos, recebeu diagnóstico de altas habilidades acadêmicas.

Aos sábados Antônio realiza atividades com a neuropsicopedagoga e especialista em Altas Habilidades e Superdotação, Janice Marcon | Foto: Arquivo pessoal

Reforço na educação formal

Assim como Antônio, a maioria das crianças com AHSD (Altas Habilidades/Superdotação) vai precisar de algum tipo de reforço em sua educação formal e atividades regulares. Segundo Andressa Pereira, mãe de Antônio, a identificação foi um divisor de águas na vida do pequeno estudante, que aprendeu a ler sozinho aos 3 anos e antes mesmo de andar já soletrava palavras em Português e Inglês.

“Antônio foi muito precoce nas questões acadêmicas, mas demonstrava pouca maturidade emocional e psicomotora. Ao mesmo tempo que ama brincar com letras, incluindo alfabetos árabe e russo, não tinha aptidão para atividades físicas simples, como andar de bicicleta e jogar bola. Por um longo período investigamos se suas características o colocavam no espectro autista ou qualquer outra condição especial”, conta Andressa. “O diagnóstico de Altas Habilidades foi extremamente importante para entendermos as necessidades dele como criança e estudante e direcionarmos o seu acompanhamento. A escola também pode acolhê-lo e adaptar o conteúdo em sala de aula”, explica.

Antônio aprendeu a ler sozinho aos 3 anos e antes mesmo de andar já soletrava palavras em Português e Inglês | Foto: Arquivo pessoal

Superdotação pode ser acadêmica ou criativo-produtiva

Não se sabe o número exato de pessoas com AHSD no Brasil, mas dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que entre 3,5% e 5% da população mundial possua superdotação acadêmica – dado que se refere apenas aqueles identificados nos testes de desempenho intelectual e pelo alto rendimento escolar. Contudo, quando incluída a superdotação criativo-produtiva – que abrange áreas do conhecimento como liderança, criatividade, competências psicomotoras e artísticas – a estimativa é ampliada para uma parcela entre 15% a 20% da população. Diante desta previsão pode-se assegurar que o número de indivíduos ainda não identificados com Altas Habilidades/Superdotação é expressivo tanto em Santa Catarina quanto no Brasil.

Este é o caso da pequena Helena Bertoldi, jaraguaense de 8 anos que recentemente passou a integrar o Mensa, a mais antiga e famosa sociedade de alto QI (Quociente de Inteligência) do mundo. Após uma série de testes realizados por psicólogos, Helena apresentou QI de 133, o que representa inteligência muito superior à média brasileira, que é convencionada na média de 87. Segundo Janaína Sardagna Bertoldi, mãe de Helena, ela apresenta facilidade nos conteúdos acadêmicos de forma geral, mas o destaque mesmo está relacionado à desenvoltura, criatividade e maturidade.

Depois de uma série de testes psicológicos, Helena apresentou QI de 133, o que representa inteligência muito superior à média brasileira | Foto: Arquivo pessoal

Desenvolvimento precoce e questionamentos existenciais

“Helena apresentou precocidade no desenvolvimento da fala, no conhecimento verbal e na leitura. Sempre muito curiosa e questionadora, com questionamentos profundos sobre a vida e, também, sobre a morte. Falávamos sobre religião, descobrimento do Brasil, política e geografia. Os questionamentos nunca tinham fim. Sempre precisávamos responder esses questionamentos com qualidade técnica, porque ela nunca ficava contente com uma resposta qualquer”, conta Janaína.

“Com 6 anos, ela apresentava maturidade superior em compararação a crianças de sua idade, assim como capacidade cognitiva. Mas para ser aceita pelo seu grupo etário começou a camuflar suas capacidades, interesses e linguagem. Outra frustação era ser constantemente mantida no ritmo do grupo, quando já estava prevendo corretamente o próximo passo a ser estudado. Isso nos motivou a buscar atendimento especializado, e assim, descobrimos a Superdotação”, completa a mãe.

Desde os 6 anos, Helena apresentava maturidade e capacidade cognitiva superiores em compararação às outras crianças de sua idade | Foto: Arquivo pessoal

O laudo de AHSD possibilitou a matrícula de Helena em série compatível com o seu desempenho escolar, sem deixar de considerar sua maturidade socioemocional, dessa forma, ela pode interagir melhor com outras crianças, ser incluída no grupo, e se deparar com desafios pedagógicos tornando a escola um ambiente mais prazeroso e interessante.

“Já ajudei mais uma criança a ser identificada após a Helena, e outras mães entraram em contato me pedindo o processo para fazer a identificação”, diz Janaína. “Como ninguém fala sobre isso, e existem varios tipos de superdotados, os pais ficam perdidos e não sabem por onde começar a investigação”, completa.

Alunos com QI acima da média no Brasil e em Santa Catarina

“No Brasil, de acordo com o Censo Escolar 2021, há 23.758 estudantes identificados com perfil de Altas Habilidades/Superdotação matriculados em escolas públicas e privadas da educação básica. Com isso, o país ocupa a trigésima posição no ranking mundial de superdotados.

Santa Catarina concentra 1.524 estudantes, conforme o Censo Escolar da Educação Básica de 2021, que engloba instituições das redes estadual, municipal e privada. “Destes, apenas 11 foram apontados em Jaraguá do Sul, o que seguramente não representa o quadro total de alunos com AHSD na região”, observa a professora Elisângela Marisa Raimundi.

“Ainda que o total de alunos com AHSD identificados no Censo Escolar tenha aumentado nos últimos anos, o número está muito aquém do estimado pela OMS”, enfatiza a neuropsicopedagoga e especialista em Altas Habilidades e Superdotação, Janice Marcon. Segunda ela, professores e educadores ainda não estão preparados para a identificação desse público e este é o principal gargalo para pessoas superdotadas, principalmente as moradoras de municípios distantes dos grandes centros urbanos.

“Além da dificuldade de identificação, existem muitos custos envolvidos neste processo, gastos com atendimentos particulares com psicólogos e psicopedagogos, e as limitações de orientação e informação. Por isso esse número está subestimado, bem menor que a realidade”, garante Janice.

Como identificar os sinais de Altas Habilidades/Superdotação

Se a criança apresentar alto desempenho em atividades cotidianas como ler, escrever, montar e desmontar brinquedos, praticar esportes ou ter boa memória musical já podem indicar um indivíduo com alto potencial. Mesmo áreas como relações interpessoais e dramatização, por exemplo, podem dar indícios de que a criança tem potencial para desenvolver. Existem alguns outros sinais que podem ser observados na criança:

-Vocabulário excelente, verbalmente fluente.
-Facilidade para aprender novas línguas.
-Alta capacidade de memorização.
-Raciocínio incomum para resolução de problemas.
-Expressa ideias e reações de forma argumentativa.
-Trabalha independentemente e mostra iniciativa.
-Alto nível de sensibilidade, empatia com os outros.
-Atenção prolongada e centrada nos assuntos de seu interesse.
-Habilidades nas artes: música, dança, desenho, teatro etc.

Apoio para o desenvolvimento de potenciais

O assunto Altas Habilidades/Superdotação é pouco abordado entre as pessoas e as instituições acadêmicas, por esse motivo muitos não recebem o apoio necessário para desenvolver o seu potencial. No entanto, a legislação brasileira garante acesso à educação especializada aos alunos com Altas Habilidades/Superdotação. Além de atendimento educacional especializado gratuito, a lei garante também adequação do currículo; conclusão do curso em menor tempo; e acesso à sala de recursos especiais, tanto em escolas públicas, como privadas.

Esta é uma discussão particularmente relevante se compararmos como outros países reagem à AHSD, onde as mentes brilhantes são rastreadas com muito cuidado, recebendo bolsas de estudo e recursos para que os futuros profissionais permaneçam no país. Assim como nos adultos, muitos alunos de alto desempenho podem estar desmotivados e se tornarem improdutivos simplesmente por não serem identificados e compreendidos.

“Cumprindo a legislação, a Secretaria da Educação Especial do Ministério da Educação (MEC), em parceria com as Secretarias Estaduais de Educação, implantou em 2005, os Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) em todas as unidades da Federação, com o objetivo de promover a identificação, o atendimento e o desenvolvimento dos alunos com AHSD”, informa a professora Thaís Coelho de Souza Gazaniga.

Atendimento especializado na rede estadual de ensino

O atendimento é realizado nos polos de Atendimento Educacional Especializado de Altas Habilidades e Superdotação (AEE-AHSD), presentes em algumas escolas da rede estadual em diversas regiões de Santa Catarina. Na nossa região, o Polo fica na Escola Estadual Básica Professor Heleodoro Borges, em Jaraguá do Sul, que também atende alunos de Schroeder, Guaramirim, Massaranduba e Corupá.

Atualmente há seis estudantes ativos, de turmas do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, frequentando os atendimentos. “Mas podem ser atendidos alunos a partir do Ensino Fundamental I até a conclusão do Ensino Médio, assim como alguns estudantes em processo de avaliação inicial”, explica a professora Elisângela.

O processo de avaliação inicial acontece por indicação da escola, família, profissionais do polo ou por autoindicação do estudante, por isso a importância do conhecimento das Altas Habilidades pela sociedade. Após a indicação, são realizadas entrevistas com os responsáveis e o aluno, ao qual são passadas algumas atividades. Depois, um relatório é elaborado e enviado ao NAAH/S para análise, que apontará se o estudante é favorável ou não para os atendimentos.

“Os encontros acontecem uma vez por semana no contraturno escolar da criança/adolescente. São realizadas atividades pedagógicas com foco nos projetos, por isso necessitamos de parceiros, pois o polo não tem fins lucrativos para as despesas dos profissionais e materiais”, observa a professora Thaís.

Para conhecer mais sobre o tema o trabalho realizado no polo, acesse a página @polo_aee_ahsd no Instagram.

Estudantes com AHSD nas escolas municipais de Jaraguá do Sul

A gerente de Educação Especial da Secretaria de Educação de Jaraguá do Sul, Vanderlea Spezia, informou que nas escolas da rede municipal são realizadas avaliações psicológicas feitas em consultórios para identificar alunos com Altas Habilidades/Superdotação. “Alguns já chegam com indicativo da área de interesse, ou seja, apresentam um interesse elevado para determinado assunto. Outros ainda não têm muito claro, então o pedagogo vai trabalhar para identificar e estimular suas habilidades”, diz.

Os alunos com AHSD frequentam o Atendimento Educacional Especializado (AEE). “Este atendimento acontece no contraturno escolar. A rede municipal tem 28 polos que atendem, além de alunos com alguma deficiência, os superdotados”, informa Vanderlea.

 

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Elisângela Pezzutti

Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Atua na área jornalística há mais de 25 anos, com experiência em reportagem, assessoria de imprensa e edição de textos.