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O que acontece com os mortos esquecidos no IML

Por: Schirlei Alves

06/04/2018 - 07:04 - Atualizada em: 07/04/2018 - 09:21

Cleber de Almeida morreu aos 37 anos vítima de um disparo de arma de fogo no Morro do Mosquito, no bairro Ingleses, no Norte da Ilha. O corpo do homem natural de São Bernardo do Campo (SP) deu entrada no Instituto Médico Legal em 1º de agosto do ano passado. Desde então, permanece ensacado, dentro da conservadora de número 14, sob temperatura negativa.

Almeida foi dado como desaparecido pela ex-companheira sete dias após o seu corpo ter sido encontrado em estado avançado de decomposição. Ele só foi identificado porque já tinha documento digitalizado em Santa Catarina, o que facilitou a descoberta do nome por meio das impressões digitais.

Segundo o diretor do Instituto Geral de Perícias, Geovani Eduardo Adriano, apenas nove estados possuem a tecnologia que funciona desde 2005 em SC. Além disso, não há integração entre os sistemas, o que dificulta a identificação de vítimas de crime no território brasileiro.

Até o início da semana, havia 16 corpos sem o reconhecimento de familiares na câmara fria do IML da Capital aguardando vaga em um cemitério municipal.

– A gente não tem lugar para fazer o sepultamento e a família não apareceu para retirar – explicou a diretora do órgão, Lilian Brillinger Novello.

A vítima que está há mais tempo nas conservadoras chegou antes de Almeida, em abril do ano passado. Como foi encontrada apenas a ossada, precisaria fazer a coleta de sangue de um provável parente para fins de comparação genética em exame de DNA.

Desde que chegou ao IML, Almeida nunca foi procurado pela ex-companheira ou por outro parente para ser reconhecido e muito menos sepultado. É possível que os familiares de São Paulo sequer saibam de sua morte. Almeida só não será enterrado como “indigente” porque teve a identidade reconhecida. Mas pouco importa o médico legista saber seu nome, não há ninguém para lamentar a sua partida.

Como não tem família que providencie um jazigo, Almeida provavelmente ocupará uma das gavetas do Cemitério Municipal São Francisco de Assis, há uma quadra de distância do IML, no bairro Itacorubi, onde normalmente são enterrados os mortos sem identificação ou cuja família é carente de recursos.

O administrador do São Francisco de Assis, Alexandre Magno, garante que é possível encontrar gaveteiros para os 16 corpos do IML em um dos três municipais que oferecem o serviço. Desde que assumiu o cargo, em maio do ano passado, afirma que só foi procurado pelo órgão estadual uma vez, em agosto, quando providenciou o sepultamento de duas vítimas de homicídio.

– Eu tenho 730 gavetas aqui, 72 no Ratones e 452 no cemitério do Continente, é impossível não conseguir 16 vagas – certifica Magno.

Conforme a lei federal 8.501 de 1992, o tempo mínimo que um cadáver não reconhecido por familiares deve permanecer na câmara do órgão público é de 30 dias. A partir daí, a legislação diz que o corpo pode ser liberado para pesquisa em universidades. Caso a família apareça após o prazo, tem o direito de fazer o sepultamento.

Segundo o IML, o prazo máximo de permanência nas conservadoras é de seis meses (já ultrapassados por Almeida). O órgão garante que tentou contato pela última vez com o cemitério do Itacorubi na semana anterior à entrevista ao OCP (que foi realizada em março). Mais uma vez, teria recebido a negativa de disponibilidade de vagas.

Um ofício foi encaminhado pela equipe técnica ao setor jurídico do órgão estadual solicitando a possibilidade de encontrar vagas em cemitérios das cidades onde as vítimas foram encontradas e não só na Capital.

Quando a situação entre os órgãos for solucionada e as vagas liberadas, o corpo de Almeida ficará guardado em uma das gavetas de concreto por quatro anos até que se reduza a ossos e seja realocado em um ossário. A partir de então, o gaveteiro deverá ser liberado para outra pessoa que venha a ser sepultada em condições semelhantes. O período de permanência no gaveteiro é uma determinação estadual (Decreto Estadual 30.570 de 14/10/1986).

Outro destino possível a Almeida é a transferência para uma câmara conservadora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ou na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), cujo objetivo é estudar a anatomia humana. Independente do rumo – a gaveta ou a universidade – Almeida não terá seu corpo velado por entes queridos e nem terá um sepultamento digno de um mortal.   

Você sabia?

– O Instituto Médico Legal é responsável por fazer a necrópsia de casos de morte violenta como assassinato, suicídio, afogamento, acidente de trânsito, esganadura e até engasgo com alimento.

– O IML de Florianópolis realizou 780 necropsias no ano passado de corpos da Capital e de cidades da Grande Florianópolis (1 mil a mais do que no ano anterior).

– Os cadáveres de morte natural que não são procurados pela família no Serviço de Verificação de Óbito também são encaminhados ao IML.

– Em Florianópolis, os familiares que não têm condições financeiras de sepultar o seus mortos podem pedir auxílio funeral por meio da Secretaria de Assistência Social.

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Schirlei Alves

Jornalista com 10 anos de experiência. Já atuou em TV, rádio, jornal impresso, digital e assessoria de comunicação.