O futuro do Brasil está à venda – Deltan Dallagnol

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Por: Deltan Dallagnol

08/07/2023 - 07:07

Por Deltan Dallagnol – advogado

 

São décadas de discussão sobre a reforma tributária, um assunto extremamente complexo. Contudo, o texto base da reforma feita na quinta-feira, com 120 páginas, foi apresentado apenas 24
horas antes da votação. Um novo texto, com muitas alterações, com 141 páginas, surgiu menos de quatro horas antes de o Congresso proclamar, por 389 a 118, que a reforma estava aprovada. Tudo sem o devido debate, sem o devido estudo, sem o devido nada.

E aqui reside um dos meus maiores desgostos enquanto estive como deputado federal na Câmara dos Deputados: o sistema não quer que você estude nenhum tema com profundidade e, por isso, apresenta os textos finais tão próximos das votações. A razão é clara: esconder os jabutis e não permitir o debate dos tópicos com a sociedade civil.

Sempre defendi a necessidade urgente de reforma tributária. Contudo, paremos para analisar o fato: a reforma irá alterar toda a nossa estrutura tributária, impactando toda a sociedade brasileira e nossa capacidade de produzir riquezas. Sua implementação está além até mesmo desta legislatura, estendendo-se para o futuro.

Analisando seu conteúdo superficialmente – porque é impossível uma análise profunda sem semanas de debates -, há alguns pontos bons, outros ruins e muitas incertezas. Se ela é tão densa e tão importante, por que apenas 24 horas para que aqueles que votam em nome do povo a analisem, discutam e aprovem?

Não houve tempo hábil para condução de estudos por especialistas, montagem de casos e tantos outros meios de análise que seriam fundamentais para termos mais evidências de seus benefícios e problemas, de forma que pudesse ser aprimorada e nos desse segurança de que será, de fato, um avanço.

Uma postura conservadora concorda com mudanças e reformas, essenciais para o desenvolvimento, mas elas devem sempre ser inspiradas pelas boas experiências do passado e do mundo. Mudanças devem se guiar não por utopias, especulações ou desejos, mas por dados e pela experiência, de forma segura.

A presente reforma é uma aposta que pode se revelar boa ou ruim, mas não sabemos, porque não foi suficientemente discutida e analisada. Por isso, o conservadorismo se inclina a rejeitá-la. Em vez do bom debate, o que houve foi o toma-lá-dá-cá, que atingiu seu auge agora. Para garantir sua aprovação, em apenas dois dias, Lula bateu recordes com a liberação de R$ 7,5 bilhões em emendas.

Além disso, foram negociados cargos. Com o União Brasil, Lula negociou a saída da Ministra Daniela do Waguinho para que um indicado do partido assuma. Em detrimento de focar no mérito do texto, no quanto ele é de fato bom para o Brasil, grande parte dos partidos e parlamentares focaram na obtenção de benefícios e favores.

Para quem vê de fora, a liberação de emendas e a aprovação atropelada da reforma é uma curiosa coincidência. As negociações são feitas em geral às escondidas, sabemos apenas o pouco que veio à tona. No mesmo dia da aprovação atropelada conduzida por Arthur Lira, coincidentemente, o
ministro Gilmar Mendes trancou a operação Hefesto, que tem um potencial devastador para o presidente da Câmara, por reunir indícios de envolvimento seu e de seus aliados num esquema de desvio de milhões do Fundeb para a aquisição de kits de robótica superfaturados.

Além disso, de modo surpreendente e absurdo, o caso foi colocado sob sigilo. Contudo, não há como afirmar ou comprovar que esses eventos passem de uma mera coincidência, como tantas outras que vemos no Brasil.

Num país em que muitos acordos são feitos nas sombras, os brasileiros perdem cada vez mais a fé na Justiça e na política. O modo como a reforma foi aprovada, com a distribuição de emendas e cargos, fortalece a percepção de que o futuro do Brasil sempre está à venda.

 

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