Que atire a primeira pedra quem nunca sentiu vontade de comprar um produto pelo simples prazer de comprar. O ato de adquirir bens por impulso é muito mais comum no Brasil do que se pensa – segundo pesquisa do SPC, dois em cada dez brasileiros admitem comprar frequentemente quando bate a vontade. Se for para aliviar o estresse, então, melhor ainda: 36% dos consumidores encontram no ato de comprar uma fuga das tensões cotidianas.
Dentre os brasileiros que admitem comprar por impulso com frequência, 34,6% disse preferir as lojas de rua, enquanto 21,5% escolheu o shopping e 15,2%, o supermercado. Os alimentos e bebidas são os produtos mais adquiridos por impulso: os pães são os preferidos de 42,1% dos entrevistados, seguido pelo leite (39,6%), sucos (31,2%) e biscoitos (27,6%). As mulheres são as que mais costumam comprar por impulso quando deprimidas: 30,5%, contra 18,3% dos homens.
Os jovens também são mais adeptos da prática, representando 41,8% dos compradores por impulso, contra 19,6% das pessoas cima de 55 anos.
Segundo a psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental Crislene Imhof Souza Lopes, quando o hábito começa a se tornar nocivo à vida do consumidor, em qualquer que seja a esfera, ele passa a ser considerado compulsão. Por isso, é preciso estar atento: saber reconhecer os gatilhos que levam ao comportamento impulsivo pode ser fundamental para evitar dores de cabeça no futuro.
O Correio do Povo – O que costuma motivar as compras por impulso?
Crislene Imhof Souza Lopes – A compra por impulso ocorre quando o consumidor vivencia uma súbita necessidade de comprar um item ao qual não consegue resistir. Nesse aspecto, não há nenhum planejamento prévio, busca ou avaliação de alternativas antes de decidir pela compra, mas há um forte sentimento positivo após a compra. Esse comportamento pode ser influenciado por fatores ambientais, características pessoais ou situações experimentadas pelos consumidores. Na maioria das vezes, entretanto, está vinculado ao lado emocional da pessoa: muitos buscam uma forma de prazer, enquanto outros veem a compra como válvula de escape, uma forma de fugir e/ou esquecer seus problemas. Esse comportamento pode servir também como forma de compensação, gratificação ou status.
Como se dá a relação de comprar para aliviar o estresse?
Para muitas pessoas o comprar é visto como uma forma de prazer, uma maneira rápida de se sentir feliz. A medida que esse indivíduo percebe que se sente mais feliz ao comprar e gera uma falsa ilusão de que isso ajuda a diminuir o estresse, ele começa a repetir o comportamento e pode sentir dificuldades em parar. Esse ato adquire um caráter de urgência para aliviar um mal-estar interno. Há um prazer inegável em adquirir bens. A sensação de estar “suprida”, de agora possuir elementos que não deixarão a necessidade bater à porta, é muito boa. Esse prazer pode ser usado também para suprir outras carências, sejam afetivas ou emocionais de forma geral. Quando a repetição do comportamento se instala, inicia-se a compulsão.
Alimentos e bebidas são apontados como os produtos mais comprados por impulso. Por que isso acontece?
Os alimentos e bebidas são produtos mais acessíveis, fáceis de achar e de adquirir, sendo assim, é mais fácil desenvolver uma compulsão por eles. Vale ressaltar também que esses produtos podem vir a causar o vício psicológico, fazendo com que a pessoa passe a sentir necessidade todos os dias.
Os dados indicam que as mulheres compram mais por impulso do que os homens. Há algo na rotina delas que estimule isso?
Historicamente, as mulheres são “coletoras” desde a era das cavernas. Ela tem um papel social e até genético que a define como a responsável pelos elementos necessários para suprir a família. Até hoje a mulher é normalmente a responsável pela compra dos alimentos, das roupas das crianças e até acompanha o marido nas compras pessoais dele. Talvez seja justamente esse papel que facilite um perfil consumidor, dando certa “autorização” para ir às compras. Uma pessoa com tendência ao comportamento compulsivo poderia adquirir qualquer outra compulsão. Qual comportamento será compulsivo, depende também da oportunidade, e a mulher tem muito mais oportunidade para ir às compras.
Por que o ato de comprar é visto como lazer?
O incentivo ao consumo é muito grande e a tendência é cada vez mais alargar, pois vivemos numa sociedade onde “ter vale mais do que ser”. Ainda se demonstra muito mais interesse em passear em shoppings do que ir a um parque, cinema ou museu, por exemplo, lugares que poderiam agregar mais conhecimento ou trazer um nível maior de aproximação entre as pessoas.
Quando avaliar se esse hábito está se transformando em um problema sério?
O limite que separa a doença de um comportamento normal (ou seja, uma mera extravagância) é o prejuízo que o comportamento causa na vida do comprador compulsivo. Quando a compra resulta em danos, seja na esfera pessoal, social, financeira etc, estamos falando em doença. Ao se comprar mais do que pode usar ou pagar, a compra deixa de ser decidida racionalmente e passa a ser descontrolada. Nesses casos, é hora de buscar ajuda.
Existem dicas simples que podem ajudar a controlar os impulsos?
Em primeiro lugar, nunca se deixe levar pelo automático, sempre dê uma paradinha e pense antes de abrir a carteira. Questione: preciso mesmo disso? Vou usar? Será que já não tenho um monte de coisas parecidas com esta? Em seguida, faça uma lista de atividades que poderiam ser divertidas para os fins de semana. Dê-se o direito de fazer sempre coisas diferentes, ir a lugares diferentes. As novidades estimulam o cérebro e oferecem boas doses de prazer. Não compre sempre nos mesmos lugares, pois você precisará de doses mais fortes de consumo para ter o mesmo prazer. Pesquise e divirta-se indo a locais diferentes. Antes de sair de casa faça uma lista dos objetos que pretende comprar. É importante também que se saiba identificar, primeiramente, o próprio estado emocional. Ir às compras quando se está mal pode ser perigoso, já que a pessoa estará mais vulnerável a utilizar o consumo como gatilho.