Quando falamos de lugares, dos espaços que compõem a nossa vida, quase sempre atina à memória a imagem de um canto específico; um aroma, uma sensação. Por vezes, até mesmo uma pessoa. E tudo que a ela configura: a voz, o andar, o jeito, um apelido. Com 30 anos passados frente à reitoria da antiga Ferj, atual Centro Universitário Católica SC, é inegável que a figura da professora Carla Schreiner ainda habite o imaginário de tantos alunos por ela formados.
Ela, que tem 82 anos, nascida em 1940, fala com entusiasmo sobre o período que assumiu a instituição, sucedendo o idealizador do centro de ensino, o Padre Elemar Scheid.
Em entrevista exclusiva à reportagem do OCP, Carla conta, também, dos desafios enfrentados por ela enquanto reitora da instituição de ensino superior mais longeva de Jaraguá do Sul. Não apenas isso, como também abre o livro de sua memória e presenteia-nos com histórias, opiniões e lembranças que apenas oito décadas de vida podem proporcionar.

Foto: Bruno Gallas/OCP News
O início de tudo
Mas para começar a falar de Carla Schreiner, precisamos primeiro falar sobre sua carreira. Todavia, antes de existir uma carreira, é preciso existir a pessoa.
A professora não é natural de Jaraguá do Sul ao que constam os documentos. Mas é jaraguaense pelos esforços, pelo tempo dedicado e pelo tempo vivido na cidade. Tendo nascido em Joinville, veio para cá logo aos 15 dias de vida. E foi aqui que cursou dois anos do ensino médio e, em seguida, retornou brevemente a Joinville para finalizar o curso de Letras, grande vocação dela.
Ela explica ainda que, surpreendentemente, sua primeira língua não foi o português.
“Alemão foi minha primeira língua. Eu só falava alemão até que, com a Segunda Guerra Mundial, meu pai e minha mãe passaram a falar apenas português. Isso foi um trauma, pois eu não entendia o que se falava dentro de casa. Tínhamos 4 ou 5 anos na época”, lembra.
Talvez tenha sido essa dinâmica que tenha dado a Carla o talento para o estudo da Língua Portuguesa. Mas o catalisador, explica ela, foi o hábito da leitura: por muito conservado e incentivado em seu lar.
“Sempre gostei muito de ler. Via em Letras a análise dos textos. E o texto fala sobre tudo entrelinhas. Sempre fui considerada a melhor da minha sala em interpretação, sempre gostei muito. Além disso, em casa, meus pais liam muito. E nós começamos com historinhas infantis, a partir disso despertou o interesse na área de Letras.”
Vida acadêmica
Foi a partir dos estudos do português que Carla pode dedicar a vida ao ensino em Jaraguá do Sul. Ela, que passou a maior parte da carreira lecionando no ensino primário, conta que foi esse o grande marco de sua vida. Mais especificamente, o quarto ano primário.
“Mas minha realização pessoal não foi a faculdade. Foi o quarto ano primário, em que lecionei por muitos anos. E era de tudo: matemática, português, história…”, afirma.
A docência no ensino superior veio quando o Padre Elemar Scheid, em junto com empresários e outras entidades, idealizou e fundou a Fundação Educacional Regional Jaraguaense (Ferj), onde administrou aulas de Língua Portuguesa para as primeiras turmas formadas na instituição.
Carla, inclusive, possuía uma pintura feita pela primeira turma de Ensinos Sociais baseada numa fotografia do Padre. A exibia no gabinete da reitoria, mas agora disse não saber onde o quadro se encontrava.
A reportagem foi atrás e, após algumas horas de busca no belo campus da Universidade Católica, localizou o retrato no centro da biblioteca — que leva o nome de Elemar, em homenagem.

Quadro do Padre Elemar Scheid, antes no gabinete da reitoria, agora na biblioteca que o homenageia. | Foto: Bruno Gallas/OCP News
Com a transferência do Padre, em 1978, Carla, que à época era também vice-diretora, ficou incumbida pelo pontífice a dar prosseguimento aos trabalhos frente à direção. Por muitos uma tarefa almejada, mas a professora diz que o nervosismo falou mais alto.
“Chorei uma noite todinha quando no outro dia eu teria que assumir. Fiquei desesperada. Eu dizia para o padre Elemar, mas ele falava que confiava em mim. Mas minha realização pessoal não foi a faculdade. Foi o quarto ano primário, em que lecionei por muitos anos”, reafirma.
A partir daí, 30 anos se passaram sob tutela da docente. Um período marcado pela inclusão de diversos cursos à instituição. Entre eles, destacam-se o de Economia e Administração de Empresas. Sendo professora de carreira, Carla também trouxe a Pedagogia e outras áreas que calçam o ensino. Carla ainda lembra que, ao longo da trajetória, teve como grandes parceiras Mariza Pradi Floriani Garcia e Solange Janssen.
Em 2000 sagrou-se reitora, ao que a Ferj depois Unerj: o Centro Universitário de Jaraguá do Sul. Foi aí que passou a ser chamada carinhosamente de “generala”, pelo estilo firme e justo. Mas o apelido nunca a incomodou. “Eu gostava muito, para falar a verdade”, diz.
Em meio a tanta história, esforço e dedicação ao ensino e à prática dele, Carla diz ter encontrado pessoas incríveis em seu caminho, além de entender que a vida é feita de um constante processo de aprendizado.
E agora, olhando para o passado, categoriza: “Eu amei ser professora.”