Enchentes, clima e meio ambiente: promotor destaca os desafios de Jaraguá do Sul

Parque Via Verde alagado | Foto: Divulgação / Prefeitura de Jaraguá do Sul

Por: OCP News Jaraguá do Sul

04/10/2023 - 11:10 - Atualizada em: 04/10/2023 - 13:50

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), neste ano de 2023, o planeta saiu do contexto denominado como “aquecimento global” para entrar em um cenário que pode ser classificado como “ebulição global”. Nessa conjuntura de catástrofe mundial anunciada, a redução dos impactos ambientais negativos surge como preocupação prioritária das cidades para lidar com eventos extremos derivados das alterações climáticas, como enchentes e secas.

Em entrevista exclusiva ao OCP News, o promotor de Justiça do Meio Ambiente da 1ª Promotoria de Jaraguá do Sul, Alexandre Schmitt dos Santos, compartilhou comentários e esclarecimentos sobre como Jaraguá do Sul vêm conciliando o desenvolvimento e o crescimento urbano com a adoção de práticas mais sustentáveis para o conforto e a segurança da sua população e meio ambiente.

Em destaque, Dr. Alexandre Santos apontou que muitos dos desafios enfrentados em relação aos rios de Jaraguá do Sul surgiram devido a decisões inadequadas da ocupação urbana. Como um exemplo emblemático a respeito, o promotor lembra a cheia de 2014, quando parte da região central da cidade ficou debaixo d´água.

Registros históricos indicados pela Defesa Civil revelaram que, antes desse episódio, a última vez que o Rio Itapocu havia ultrapassado sete metros de altura teria sido na década de 1940. Análises pluviométricas mostraram, no entanto, que em 2014 o índice pluviométrico foi cerca de 40% menor do que o visto na década de 1940, para se atingir o mesmo nível do rio – dado que aponta para a influência negativa da ocupação urbana desordenada em Jaraguá do Sul ao longo das décadas.

Foto: Chan/We Art

Entre as medidas adotadas nos últimos dez anos para contornar o problema de enchentes, o promotor fala em obras públicas de substituição de galerias e desassoreamento para melhora do escoamento das águas pluviais. Além disso, enfatiza a interrupção de aterros em áreas inundáveis, permitindo que esses locais sejam apropriadamente inundados em caso de cheias de rios.

Surpreendentemente, até 2005, o próprio município encorajava a realização de aterros nos leitos de inundação: a concessão de alvarás de construção estava condicionada ao aterramento desses terrenos. Por intervenção do Ministério Público, a orientação equivocada foi interrompida e, desde 2006, um trabalho meticuloso tem sido realizado na cidade para identificar e proteger as áreas propensas a inundações.

“As áreas de leito de inundação são naturalmente desocupadas para se permitir o fluxo temporário do rio. É fundamental compreender que, se aterros forem permitidos nessas áreas, a água das enchentes será desviada para outras regiões, levando a consequências desastrosas para a cidade”, salienta.

Santos explica que a empreitada exigiu um esforço conjunto com vários profissionais do serviço público e se iniciou pelo reconhecimento dos leitos secundários, popularmente conhecidos como “várzeas”. Tecnicamente chamadas “áreas inundáveis”, são áreas caracterizadas como espaços que se enchem de água por único e exclusivo efeito do aumento do nível de um curso d’água.

O mapeamento foi um passo crucial para Jaraguá do Sul frente ao problema, uma vez que não há proteção específica regulamentada na legislação federal. Após uma identificação detalhada, a legislação municipal foi atualizada para se proteger tais áreas e desencorajar aterros.

Atualmente, aterrar um imóvel em uma zona inundável é uma exceção e se exige que o interessado apresente uma solução hidrológica que compense o impacto causado.

Crescimento urbano mais organizado

Dentro do esforço de mitigação das cheias, também a legislação municipal de terraplanagem foi aprimorada para incluir a criação de bacias de contenção. Conforme Santos, essa evolução representou um progresso significativo na prevenção a cheias, visto que as obras locais de terraplanagem não consideravam esse aspecto.

Consequentemente, as chuvas carregavam vegetação e sedimentos para dentro do rio, causando problemas de assoreamento e inundação.

Área inundável do Rio Itapocu na região da Vila Machado, em Nereu Ramos | Foto: Fábio Junkes/OCPNews

Positivamente, segundo o promotor, a construção de bacias de contenção se tornou uma prática usual nas obras em Jaraguá do Sul e profissionais que atuam nos serviços de terraplanagem estão cada vez mais conscientes da importância de manter as estruturas.

Dados recentes indicados pela Defesa Civil refletem o acerto do caminho adotado pela cidade. Conforme visto em 2014, o índice acumulado de chuvas que resultou em danos consideráveis atingiu a marca de 1.724 milímetros. Já no ano de 2022, a situação climática foi muito mais desafiadora, com Jaraguá do Sul registrando um índice pluviométrico anual de 2.122,6 milímetros.

As chuvas ocorreram ao longo de todo o ano, com períodos críticos concentrados em três meses específicos: março, com 275 milímetros; agosto, com 280,6 milímetros; e dezembro, com 296 milímetros. “Em nenhum momento de 2022 a cidade sofreu impactos significativos em decorrência das cheias, demonstrando a efetividade do caminho escolhido em direção à sustentabilidade”, destaca o promotor.

Santos ressalta ainda que toda expansão urbana da cidade respeita integralmente as áreas de preservação permanente, as chamadas APPs. Na sua perspectiva, essa abordagem visa preservar os recursos naturais e a biodiversidade para a sustentabilidade ambiental da cidade, bem como diretamente mitigar problemas relacionados à segurança da população.

Para ele, o conceito de área de preservação permanente está mais associado à defesa civil do que à ideia de simples preservação ecológica, com implicações significativas para a gestão de riscos e proteção das comunidades. Muito além da proteção de flora e fauna, ele ressalta que a essência da APP circunda cautela principalmente sobre áreas com encostas íngremes e margens de rios.

A exemplo, Santos lembra que a alteração no código florestal nacional, que elevou o limite de cinco para 15 metros em relação às áreas de preservação permanente ao longo dos rios, ocorreu por meio de um projeto de lei proposto pelo deputado federal catarinense Artenir Werner, de Rio do Sul, cidade do Alto Vale do Rio Itajaí-Açu.

A justificativa técnica para a alteração foi baseada nas cheias devastadoras que atingiram todo o Vale do Itajaí em 1983, resultando em perdas humanas e danos materiais significativos. Estudos mostraram que se os rios da região tivessem sido ocupados sob a responsabilidade de distâncias mantidas em 15 metros, a catástrofe possivelmente não teria acontecido.

Foto: Eduardo Montecino/OCP News

Nesse sentido, as ações jaraguaenses sobre as APPs se concentram hoje em duas frentes distintas. “A primeira, é não deixar a cidade se expandir em cima de áreas de preservação permanente, é proteger o que dá. A segunda frente é regularizar o que já existe”, coloca.

Entre os avanços mais oportunos, foi estabelecida uma lei municipal com o objetivo de regularizar construções antigas em áreas protegidas. “Em algumas regiões centrais de Jaraguá do Sul, como nas proximidades do Banco do Brasil e Bradesco, a largura do Rio Itapocu gera uma APP de 200 metros. É inviável exigir que hoje essas construções se distanciem 200 metros do rio, mas podemos ordená-las“, expõe.

A promotoria do meio ambiente e a prefeitura atuam ainda na regularização de construções que foram realizadas de forma clandestina, sem alvará de construção ou Habite-se. Nesses casos, é exigida uma medida de compensação mitigatória.

Os recursos derivados dessas compensações são exclusivamente utilizados para desapropriar áreas de preservação permanente, preferencialmente em áreas inundáveis, com o intuito de protegê-las ou criar parques públicos, como ocorrido com o Parque da Via Verde e o Parque da Inovação.

Parques que protegem

Além de atender a uma demanda da população por espaços públicos de lazer, a construção de parques faz parte do conjunto de estratégias para enfrentar as cheias na cidade.

Tanto o Parque da Via Verde quanto o Parque da Inovação foram desenvolvidos em torno da redução da altura do terreno, se permitindo que áreas adjacentes pudessem ser inundadas em caso de cheias. Santos complementa que a implantação atuou ainda sob interesse de proteger suas áreas, que são inundáveis e sofriam com pressão imobiliária para serem exploradas.

Em ambas as iniciativas, os projetos tiveram a criação viabilizada por meio de medidas de compensação do Ministério Público, além da aplicação de recursos públicos municipais e privados.

Santos recorda que, em especial, no início do projeto na Via Verde, surgiram muitas críticas por parte da população em relação ao investimento, com argumentos de que seria um desperdício de recursos, pois à primeira cheia “o rio levaria tudo embora”.

“A inspiração veio de Curitiba, que implementou um projeto semelhante na década de 1980. Não inventamos nada, se trata de um conceito consolidado em diversos projetos urbanos voltados a sustentabilidade em torno de rios”, relata.

O promotor ressalta que toda concepção do parque considerou a dinâmica natural da cheia, onde, após a inundação, os danos são mínimos e a área pode ser prontamente reutilizada. Se inicialmente foi alvo de críticas, hoje têm sido amplamente elogiado pela comunidade jaraguaense, que aprecia e desfruta do local de diferentes formas.

 

Foto: Divulgação PMJS

Comunidade mais consciente

Desde que começou a atuar na Comarca de Jaraguá do Sul, no ano de 1997, Dr. Alexandre viu a cidade passar por um notável crescimento, chegando a dobrar de tamanho. Na mesma medida, ele coloca que as questões ambientais essenciais também apresentaram melhorias significativas, como a implementação de programas de reciclagem, campanhas de educação ambiental e medidas regulatórias para preservar o meio ambiente e garantir a segurança da população.

Para ele, o compromisso de Jaraguá do Sul em adotar tais diretrizes demonstra o empenho em se promover o conceito de uma real cidade sustentável, onde a preservação dos recursos naturais é valorizada e respeitada. Com uma visão otimista, o promotor pondera que, embora tenham sido enfrentados muitos obstáculos, ao passar de 26 anos, a cidade apresenta diversos pontos sobre os quais hoje pode se orgulhar.

No entanto, Santos coloca que se faz necessário ainda desmistificar à população a visão limitada sobre a sustentabilidade e a ideação de proteção do meio ambiente como sendo apenas o cuidado ecológico, em torno da natureza, de animais e plantas.

“O meio ambiente abrange tudo o que nos cerca e que nos proporciona uma vida digna. Protegemos o meio ambiente como uma forma de proteger, primeiramente, os meios necessários a proporcionar o prosseguimento da vida do ser humano”, frisa.

Ele reforça que não há atividade econômica ou crescimento urbano sem algum impacto ambiental, sendo utópico esperar uma ideia de futuro com 100% da preservação do meio ambiente. “Sabemos que toda cidade precisa crescer, sabemos que a economia precisa girar, precisa se aprimorar. Sustentabilidade é como fazer isso da melhor forma possível, com um menor impacto ambiental possível”, destaca.

Foto: Fábio Junkes/OCP News

Segundo ele, o engajamento da população com as questões locais, a atuação firme do poder público e a adoção de práticas sustentáveis criativas são a chave para Jaraguá do Sul continuar trilhando um caminho positivo.

Para o promotor, dentre os aspectos que ainda precisam ser trabalhados para se impulsionar o crescimento local pela sustentabilidade, estão o consumo consciente e a melhoria da consciência em relação à responsabilidade individual do jaraguaense na geração de resíduos.

Santos reforça que é cada vez mais fundamental que a comunidade local compreenda que a sustentabilidade não é apenas uma questão abstrata, mas uma responsabilidade concreta que precisa ser assumida por todos.

“Embora seja cada vez mais comum as pessoas falarem e pensarem acerca da sustentabilidade, muitas vezes essa disposição muda quando o assunto afeta diretamente os aspectos econômicos pessoais. Cada pessoa desempenha um papel importante em suas atividades cotidianas, contribuindo sempre um pouco mais para a construção de um futuro mais sustentável”, salienta.

Notícias no celular

Whatsapp

OCP News Jaraguá do Sul

Publicação da Rede OCP de Comunicação