Reconhecer e compreender os próprios sentimentos é um processo que leva tempo e está em constante evolução, mesmo na fase adulta. Agora, imagine o começo desta fase de descobertas sobre as emoções na infância.
Escola nova, pessoas diferentes, divisão de tarefas e brinquedos, saudade dos familiares e inúmeras situações que ainda não tinham sido enfrentadas, agora precisam ser entendidas e trabalhadas.
Este é o caminho que toda criança traça, algumas com mais facilidades, outras não. Em Massaranduba, a Secretaria de Educação, por meio de um acompanhamento psicológico, identificou que os casos de distúrbios emocionais, baixo rendimento escolar, insegurança, ansiedade e tristeza estavam crescendo entre as crianças e adolescentes.
Tais situações, conforme a psicóloga Estela Laiz Nones, estavam acarretando em casos de automutilação.
“Os encaminhamentos para o atendimento psicológico aumentaram e vimos a necessidade de prevenir essas situações, que se não forem tratadas, podem persistir e se agravar durante a fase adulta”, relata Estela.
Com um toque de brincadeira pela figura de um fantoche de coelho, a Secretaria de Educação implantou o projeto História do Ada, que era um animal feliz, próspero e amoroso. A ação é uma forma lúdica de levar a metodologia da prevenção e trabalhar a inteligência emocional das crianças e adolescentes.
No projeto, toda sexta-feira a professora começava a leitura de uma história para as crianças. As narrativas infantis abordavam sobre os diferentes sentimentos que as pessoas podem ter. Os alunos levavam para casa um coelho de fantoche e tinham que cuidar dele no fim de semana, quando os pais também ficavam responsáveis por terminar de contar a história.
Na segunda-feira, eles contavam como tinha sido a experiência. Ao fim, as crianças eram incentivadas a conversar com os pais e professores sobre o sentimento que foi explanado.
“Muitas vezes, ouvindo os depoimentos, nós ficávamos sem chão. Eles falavam que estavam tristes porque tinham perdido alguém e perguntavam o motivo para as pessoas irem para o céu e não voltarem mais”, comenta a professora Marynes Ranghetti.
A professora ressalta que as conversas puxavam mais para o lado da perda, tristeza, saudades ou o “não” dos pais para brincadeiras. Além da história, as crianças eram estimuladas a conversar com o pai e a mãe sobre o que estavam sentindo, e vice-versa.
O contato mais próximo também mudou na convivência dentro da sala de aula. Quando há um desentendimento com algum colega, por exemplo, eles precisam resolver entre si a situação, dizendo o que aconteceu e por que não gostaram daquilo. Nas histórias, o Ada ensinava a como reagir em diferentes casos.
Segundo a professora, as famílias participaram ativamente das atividades e sentiram uma mudança de comportamento nos filhos.
O projeto iniciou em 2017 com as turmas de pré um e pré dois da rede municipal de educação. Neste ano, ele será ampliado para os primeiros anos. Cerca de 400 alunos e 20 professores foram envolvidas na ação.
Medos e tristezas foram deixados para trás
A saudade e a tristeza foram os principais sentimentos que o pequeno Arthur Caprestano, de 6 anos, precisou aprender a lidar. Ele conta que já ficou triste várias vezes.
“Às vezes eu fico por causa de algum amigo que vai embora ou quando fico longe do meu pai. Viajei para o Paraná só com a minha mãe e fiquei com muitas saudades dele. Ela fez carinho pra eu me sentir melhor”, conta Arthur.
Com os olhos cheios de lágrimas, o pequeno diz que para esquecer e lidar melhor com esses sentimentos, ele acaba dormindo. Com as histórias do coelho Ada, que também se sentia triste, ele aprendeu a conversar mais com os pais sobre o assunto e encontrar formas para ficar melhor. “Adoro fazer trilha com meu pai, vamos várias vezes”, observa.
Lorena Prawutzki, de 6 anos, também levou o Ada para casa algumas vezes. Ela recorda que brincava, dava banho e cuidada do coelho o tempo todo. A aluna lembra que em uma das narrativas, um personagem não queria aparecer em determinado lugar por estar com medo.
“O Ada aparecia dizendo que não precisava sentir isso e que ele tinha que conversar sobre o que estava acontecendo com alguém”, relembra Lorena.
Com a história e atividades que vieram posteriormente, ela superou o medo que tinha do escuro.
Tanto Lorena quanto Arthur participaram do projeto do ano passado, quando estavam no pré um. Eles estudam na escola municipal Professora Araci Duarte.
Um jeito de formar adultos mais saudáveis
Uma das responsáveis por criar e acompanhar o projeto Histórias do Ada foi a psicóloga Estela Laiz Nones. A profissional explica que já durante a gestação, os pais transferem o que estão sentindo para o bebê e, por isso, desde a educação infantil, essas questões precisam ser ensinadas para as crianças aprenderem a reconhecer e expressar as emoções, além de encontrar maneiras para lidar com o que estão sentindo.
Desta maneira, segundo Estela, a criança e o adolescente vão desenvolver habilidades emocionais e sociais para ser pessoas mais conscientes e saudáveis. Ela ainda salienta a importância da instituição ser um aliado da família e contribuir com a inteligência emocional.
“O professor ajuda no processo da educação emocional de forma fundamental, usando a sensibilidade para ultrapassar as barreiras da prática em sala de aula e passando a atuar com a intenção de realmente preparar as crianças e os adolescentes a reconhecerem e se responsabilizarem no sentir, pensar e agir”, explica a psicóloga.
Conforme Estela, a participação da família é muito importante ao longo do projeto. Enquanto leem as histórias para os filhos, os pais também recebem uma dica da profissional para realizar as atividades.
Em uma dinâmica sobre saudade, por exemplo, a criança deve escolher uma foto de algo ou alguém que sente saudades com a ajuda dos pais.
“Como o projeto é preventivo o resultado pode ser em curto e longo prazo”, aponta. Estela garante que já foram observados resultados através da fala e do comportamento das crianças.
“O que mais vimos foi o desenvolvimento da empatia. As crianças passaram a respeitar mais os colegas, entender melhor o que ele e os outros estão sentindo”, afirma a psicóloga. A série de histórias lúdicas envolve diferentes personagens que vivem juntos em um circo.
Estela acredita que com o projeto é possível diminuir os números de pessoas com transtornos depressivos, ansiedade, estresse, suicídios, automutilação e outros.
Apesar de ter sido transferida para a Secretaria de Assistência Social no início do ano, Estela dará continuidade ao projeto. “Ambas as secretarias acreditam nessa parceria e os respectivos resultados”, completa.
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