O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, no último mês de maio, novas regras para a realização da cirurgia bariátrica e metabólica em adultos e adolescentes. A Resolução CFM nº 2.429/25 unifica as normas anteriores — que tratavam separadamente da cirurgia para obesidade (Resolução nº 2.131/2015) e da cirurgia voltada ao tratamento do diabetes tipo 2 (Resolução nº 2.172/17) — e estabelece novos critérios para indicação do procedimento, incluindo mudanças em relação à idade, índice de massa corporal (IMC), tempo de diagnóstico e tipo de técnica cirúrgica.
A cirurgia bariátrica e metabólica é um procedimento voltado ao tratamento da obesidade e de doenças metabólicas, como o diabetes tipo 2. Realizada por um cirurgião geral ou cirurgião do aparelho digestivo, com habilitação para cirurgia bariátrica, ela altera o estômago e/ou o intestino para reduzir a absorção de alimentos e promover a perda de peso. Para explicar o que muda com a nova resolução e esclarecer quem pode ser beneficiado pelas atualizações, a médica endocrinologista e professora do Instituto de Educação Médica (Idomed), Dhianah Santini Chachamovitz, detalha os principais pontos das novas diretrizes e os impactos práticos para pacientes e profissionais de saúde.
Cirurgia em pacientes com IMC 30?
Pacientes com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 40, com ou sem comorbidades, e aqueles com IMC entre 35 e 40 e doenças associadas continuam enquadrados nos critérios já existentes para cirurgia. A novidade da Resolução CFM nº 2.429/25 é a inclusão de pacientes com IMC entre 30 e 35, desde que apresentem condições como diabetes tipo 2, doença cardiovascular grave com lesão em órgão alvo, doença renal crônica precoce em decorrência do diabetes tipo 2, apneia do sono grave, doença gordurosa hepática não alcoólica com fibrose, afecções com indicação de transplante, refluxo gastroesofágico com indicação cirúrgica ou osteoartrose grave.
A nova norma também elimina restrições anteriores, como idade mínima ou máxima e exigência de tempo de diagnóstico. Antes, a cirurgia só era permitida para pacientes com mais de 30 e menos de 70 anos, até 10 anos de diagnóstico de diabetes e sob acompanhamento endocrinológico de pelo menos dois anos, com falha na resposta ao tratamento clínico.
Segundo a médica, a inclusão de pacientes com IMC entre 30 e 35 entre os elegíveis à cirurgia se baseia em evidências científicas recentes. Estudos demonstram que, em casos selecionados — principalmente em pacientes com diabetes tipo 2 sem controle adequado — a cirurgia metabólica pode oferecer melhores resultados do que o tratamento clínico isolado, promovendo a remissão da doença e reduzindo o risco de complicações cardiovasculares.
“Essas mudanças visam ampliar o acesso à cirurgia bariátrica para pacientes que realmente necessitam, garantindo maior segurança e eficácia no tratamento da obesidade mórbida e suas comorbidades. Além disso, a retirada dessas exigências torna o processo mais ágil, permitindo que pacientes com indicação clara possam ser encaminhados mais rapidamente para a cirurgia, desde que avaliados por equipe especializada”, afirma a endocrinologista.
Adolescentes podem fazer a cirurgia?
A nova resolução do CFM autoriza a realização da cirurgia bariátrica e metabólica em adolescentes a partir dos 14 anos, nos casos de obesidade grave (IMC acima de 40) associada a complicações clínicas. A indicação, no entanto, depende de avaliação de uma equipe multidisciplinar e do consentimento dos responsáveis. Antes, pacientes com menos de 16 anos só podiam se submeter ao procedimento em caráter experimental, conforme normas do Sistema CEP/Conep.
A médica endocrinologista ressalta que, embora a liberação represente um avanço, é preciso cautela. “Adolescentes precisam de uma avaliação multiprofissional, incluindo pediatra, nutricionista e psicólogo. Também é necessário comprovar que as cartilagens de crescimento estão fechadas, o que indica a maturidade esquelética, com a consolidação das epífises dos punhos”, explica.
Ela destaca que o procedimento nessa faixa etária ainda deve ser considerado com reservas, já que o corpo está em desenvolvimento. “Mesmo com a liberação, a cirurgia deve ser indicada com muito critério. Existe risco de comprometer o crescimento ósseo e muscular, além de deficiências nutricionais, como de ferro, cálcio, vitamina D e B12, que são fundamentais nessa fase”, alerta.
Para adolescentes entre 16 e 18 anos, a cirurgia pode ser indicada seguindo os mesmos critérios aplicados aos adultos, contanto que haja concordância da equipe médica e dos responsáveis.
A resolução também esclarece que pacientes com mais de 65 anos podem ser submetidos ao procedimento, desde que apresentem boas condições clínicas e passem por avaliação de risco-benefício.
Estrutura hospitalar passa a ter exigências mais detalhadas
A nova resolução do CFM estabelece critérios mais rigorosos para os hospitais autorizados a realizar cirurgias bariátricas e metabólicas. Agora, o procedimento deve ocorrer exclusivamente em unidades de grande porte, com estrutura para cirurgias de alta complexidade, presença de UTI e plantonistas 24 horas. Além disso, os hospitais precisam seguir as exigências das Portarias 424/2013 e 425/2013 do Ministério da Saúde.
No caso de pacientes com IMC acima de 60, as exigências são ainda maiores. A cirurgia deve ser realizada em locais com infraestrutura física adequada — como camas, macas, cadeiras de rodas e mesas cirúrgicas compatíveis — e equipe multidisciplinar treinada, devido ao risco elevado de complicações nesse grupo.
Antes da nova norma, a principal exigência era apenas que o hospital tivesse UTI e condições básicas para atender pacientes com obesidade mórbida. Com as novas diretrizes, a resolução busca garantir maior segurança e qualidade no cuidado aos pacientes submetidos ao procedimento.
CFM define quais tipos de cirurgia bariátrica são mais indicados
A nova resolução do CFM organiza os tipos de cirurgia bariátrica em três grupos, com base na eficácia e segurança: altamente recomendadas, alternativas e não recomendadas.
A médica endocrinologista reforça que os procedimentos mais indicados são o Bypass gástrico em Y de Roux e a gastrectomia vertical (sleeve gástrico), considerados os mais seguros e eficazes, com amplo respaldo científico. “Essas técnicas são as preferidas na maioria dos casos por apresentarem os melhores resultados clínicos”, afirma.
As cirurgias alternativas, como o duodenal switch com gastrectomia vertical, o bypass com anastomose única e outras variações com modificações intestinais, são voltadas principalmente para casos revisionais ou situações específicas que exigem abordagem individualizada. Embora com menor nível de evidência científica, foram mantidas como opções viáveis pelo CFM.
Já a banda gástrica ajustável e a cirurgia de Scopinaro, antes autorizadas, agora são desaconselhadas. De acordo com a endocrinologista, “essas técnicas apresentaram altos índices de complicações e resultados insatisfatórios, por isso não devem mais ser utilizadas”.
Entre os procedimentos endoscópicos, o CFM reconhece o balão intragástrico e a gastroplastia endoscópica. Esta última pode ser combinada ao tratamento medicamentoso, sendo considerada uma boa alternativa menos invasiva para determinados perfis de pacientes.