Pelo simples fato de caminharem nas ruas, as mulheres podem ser vítimas de violência. Essa é a realidade de quem convive com o estigma de sexo frágil. Ao se sentir acuada diante de investidas machistas e preconceituosas, a mulher nem sempre reage e também não costuma reconhecer nestas atitudes um ato de violência. E é por causa desse e de outros abusos cotidianos que elas vêm debatendo e identificando as práticas sofridas no dia a dia e que são pouco difundidas na sociedade.
Com o objetivo de verificar se as estudantes do IFSC (Centro) já sofreram ou sofrem algum tipo de violência e como esta se manifesta, um grupo de alunas do Curso Técnico em Química da instituição promoveu uma pesquisa, com aplicação de questionários, que envolveu 244 mulheres. Intitulado “Expressões de Violência Contra a Mulher Estudante do IFSC – Jaraguá do Sul”, o estudo observou que tais práticas são produto de uma obsoleta cultura patriarcal.
As estudantes Alessandra Ramos, 16 anos; Brendha Stoeberl, 16; Bruna Meinerz, 16; Giovana Gauto, 15; Joana Zanetti, 16; e Scheila Klitzke, 17; – que posaram para as fotos que ilustram esta reportagem – explicam que o tema do trabalho era de interesse de todas. “Percebemos que não havia muitas pesquisas desse tipo em Jaraguá. É uma oportunidade de enxergarmos a realidade das estudantes do IFSC”, explica Bruna.
Para isso, foram utilizados questionários, solicitando os dados gerais das participantes e contendo as violências pesquisadas: sexual, física, psicológica, moral, patrimonial e institucional. “Perguntamos se já sofreu algum tipo de violência, quem foi o autor, há quanto tempo, entre outras, para poder traçar um perfil”, conta Alessandra.
O grupo observou que muitas mulheres que responderam o questionário não sabiam identificar a violência. Prevendo isso, foram colocados breves comentários sobre o conceito de cada uma das práticas e onde elas se encaixam no dia a dia. “Algumas que conversaram conosco comentaram que não reconheciam certas ações especificadas como violência. Elas já tinham sofrido aquilo, mas não sabiam que era violência”, pontua Giovana.
A prática mais apontada pelas entrevistadas foi a violência psicológica. “Mas, se avaliarmos por curso, há uma expressão bastante evidente da violência sexual também, porque ela não se restringe somente ao estupro. E como o questionário exemplificava práticas como passar a mão, esfregar outras partes do corpo na mulher dentro de um ônibus, por exemplo, elas acabaram se identificando. Nos surpreendeu essa informação, o índice de estudantes que relataram ter sofrido violência sexual, mesmo sem explicar qual era a experiência vivida por elas nesse sentido”, relata Brendha.
Perfil do abusador é variado, mas pode ser de quem é bem próximo
Quanto ao perfil do agressor, a pesquisa mostra que depende do tipo de violência praticado. Em geral, são pessoas próximas. No entanto, na sexual, o abusador mais apontado foi pessoa desconhecida. O grupo acredita que houve maior identificação das vítimas com casos que ocorrem na rua, como passar a mão no corpo da mulher, entre outros. As demais ocorrem no próprio ambiente familiar ou junto a amigos, conhecidos e companheiros. “Na psicológica, há bastante ocorrência de namorados, ex-namorados, maridos e ex-maridos, que também aparecem como autores de violência física”, explica Scheila.
O estudo também perguntava em que local a violência havia ocorrido, se dentro de casa, na escola, no trabalho, na rua ou qualquer outro espaço. “Percebemos que a maioria dos casos acontece em casa, mas, ao mesmo tempo, ao questionarmos em qual espaço social as estudantes se sentiam mais à vontade, elas responderam que é na família. Nossa análise diz que pode haver um silenciamento e encobrimento dessa violência. Há desculpas para esse comportamento”, ressalta Joana.
“O QUE VOCÊ JÁ DEIXOU DE FAZER POR SER MULHER?”
Nesta semana, a União Brasileira de Mulheres – Jaraguá do Sul promoveu uma roda de conversa com o tema “O que você já deixou de fazer por ser mulher?”, na Praça Ângelo Piazera. Conforme a diretora de Comunicação da UBM e autora do Blog Mina Empoderada, Ana Paula Abel, a ideia do evento surgiu justamente devido aos relatos de assédio feitos pelas mulheres. Ela explica que as participantes destacaram que a prática ocorre principalmente nas vias e locais públicos e nas escolas.
“Nosso foco era tratar sobre a cultura do estupro e machismo e a principal reclamação das mulheres foi esse assédio público, com xingamentos, buzinadas e cantadas”, revela. Nas escolas, ela complementa, as alunas que denunciam esses abusos não são levadas muito a sério e é comum os assediadores serem protegidos.
A UBM planeja fazer encontros semelhantes uma vez ao mês, englobando diversos temas similares. “As mulheres precisam de um espaço para falar. Uma menina que deu seu depoimento chegou a chorar contando sua história. Existe uma demanda de debate desse assunto”, destaca. Ana Paula diz que muitas mulheres têm receio de se expor, mas que esse é um espaço democrático para todas as idades, onde elas poderão falar sem serem julgadas.
GRUPO DARÁ CONTINUIDADE AO PROJETO
O curso de química do IFSC tem um projeto, o Conectando Saberes, que integra diferentes áreas do conhecimento. No primeiro ano do curso, o tema é livre e depois vai afunilando para a área específica do curso de Química. “Esse é um exercício de iniciação científica, onde os estudantes desenvolvem um projeto de pesquisa no primeiro semestre, aplicada no segundo semestre do ano”, explica a orientadora do projeto Giana Carla Laikovski.
Em relação ao estudo do grupo, a orientadora ressalta que se percebe, no campus do IFSC, a existência de um “grau interessante de informação”. Ela observa que as estudantes estão bem questionadoras. “Uma das perguntas abertas no questionário era sobre se a entrevistada considera a sociedade desigual para homens e para mulheres e qual o motivo. Muitas mencionaram a questão dos salários, da sociedade patriarcal, do machismo, o que mostra um índice significativo de mulheres conscientes”, enfatiza Giana.
A pesquisa está tendo continuidade. Serão feitas novas entrevistas para entender um pouco melhor as situações específicas e, enquanto instituição, o IFSC pretende pensar ações a partir desses resultados. “Foi uma pesquisa bastante nova e, quem sabe, poderemos torná-la mais visível para o restante da população”, diz a orientadora. Ela destaca que o estudo das alunas do IFSC não necessariamente reflete a realidade estatística de Jaraguá do Sul, pois a violência física aparece em terceiro lugar entre as citadas pelas mulheres. “Se pegarmos os dados de segurança pública, a violência física aparece em primeiro lugar, pois é a que mais leva a denúncias”, conclui.
Uma das perguntas abertas no questionário era sobre se a entrevistada considera a sociedade desigual para homens e para mulheres e qual o motivo. Muitas mencionaram a questão dos salários, da sociedade patriarcal, do machismo, o que mostra um índice significativo de mulheres conscientes. Giana Carla Laikovski, orientadora do projeto