Você nua na internet

FOTO: Freepik

Por: Raphael Rocha Lopes

07/11/2023 - 09:11 - Atualizada em: 07/11/2023 - 16:39

 

“♫ Meu choro não é nada além de carnaval/ É lágrima de samba na ponta dos pés/ A multidão avança como vendaval/ Me joga na avenida que não sei qual é” (Mulher do fim do mundo; Elza Soares).

Já imaginou fotos da sua esposa ou companheira nua na internet? Ou da sua mãe, irmã ou filha, independentemente da idade delas? E já imaginou se esse nude circulando na internet, nas redes sociais ou, especialmente, nos aplicativos de comunicação como o WhatsApp, nunca tiver existido na vida real? Ou seja, foi fabricado, montado, criado por pessoas repugnantes com ajuda de aplicativos que usam inteligência artificial.

O problema não é novo. Eu escrevi sobre esse assunto há pouco mais de três anos. Na época havia perfis no aplicativo Telegram “despindo” pessoas, a pedido, com base em fotografias reais, ainda que os corpos nus não ficassem perfeitos.

O que mudou?

Nesses pouco mais de três anos de intervalo muita coisa mudou quando se trata de avanço e acesso à tecnologia de inteligência artificial. O que não mudou foi a maldade e a falta de escrúpulos das pessoas.

Semana passada foi assunto na imprensa o compartilhamento em grupos de WhatsApp de nudes de alunas de escola tradicional do Rio de Janeiro, com média etária de 14 anos. Por ora, quase trinta vítimas, e talvez o número não aumente ante a repercussão. Foram alunos da mesma escola que criaram, com inteligência artificial, utilizando fotos de redes sociais, e compartilharam os nudes que, agora, têm qualidade infinitamente superior aos de três anos atrás, o que causa, evidentemente, transtornos ainda maiores.

Misoginia.

Homens e garotos também podem ser vítimas. Mas há um teor misógino inegável neste tipo de comportamento criminoso. Em uma sociedade machista, que menospreza o papel das mulheres em todos os aspectos, torná-las objeto sexual, ainda que de forma virtual, não espanta. E, talvez, não espante sequer isto estar se repetindo com adolescentes na faixa dos 14 ou 15 anos, inclusive no silêncio para não se comprometer com os amigos. Ao que parece, de todos os rapazes que tiverem acesso aos nudes nos vários grupos em que foram compartilhados, apenas um denunciou.

Tem-se visto um crescente número de adolescentes e mulheres vítimas destes atos covardes, com fotos e vídeos, que estão se tornando cada vez mais difíceis de distinguir se são verdadeiros ou não, dada a qualidade dos aplicativos.

E, independentemente de ser falso e a vítima saber que não é ela, o estrago social, psicológico e, comumente, familiar já está feito quando algo assim acontece. Cresce, a cada ano, o número de meninas e mulheres devastadas que se suicidam ou tentam por conta de situações como essas ou parecidas.

Responsabilidades.

Há previsão legal para a responsabilização civil e criminal em relação às pessoas que expõem mulheres intimamente na internet, independente de ser em redes sociais. Respondem, também, os pais, ao menos civilmente (indenização por danos morais e materiais), caso os infratores sejam menores de idade. E, eventualmente, as escolas, se comprovado que tudo ocorreu no estabelecimento ou que houve conivência por parte de quem deveria coibir.

Independentemente das punições, que devem ser rápidas e fortes, é de extrema importância que pais, escolas, governos e entidades em geral se unam definitivamente para, por meio de educação digital na grade curricular e outras ações de conscientização, combater seriamente esse problema.

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Raphael Rocha Lopes

Advogado, autor, professor e palestrante focado na transformação digital da sociedade. Especializado em Direito Civil e atuante no Direito Digital e Empresarial, Raphael Rocha Lopes versa sobre as consequências da transformação digital no comportamento da sociedade e no direito digital. É professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Católica Santa Catarina e membro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.