Sempre que chega essa época, o que mais escutamos a nossa volta é: estou cansado(a)! O fim do ano se aproxima e o cansaço parece bater mais forte: você também sente isso?
Estávamos refletindo sobre esse assunto no grupo da Ajeb-SC o que me inspirou a escrever estas palavras… Há um tempinho, me deparei com este conceito de “sociedade do cansaço” ao ler a obra do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, que expõe acerca desta busca incessante por produtividade que tem gerado uma ansiedade crescente.
E então eu pergunto: inspiração, onde andas? Ócio, cadê você? E você: contemplação?
Tenho observado que tanto no âmbito profissional e familiar quanto no âmbito digital; das redes sociais, por exemplo, somos constantemente pressionados a acompanhar um ritmo célere, o que, muitas vezes, gera exaustão e situações-problema com autocontrole, autoestima, autocobrança e ansiedade. Byung-Chul Han, nesta obra, apresenta nosso esgotamento à medida que a sociedade transforma a vida em uma eterna competição consigo mesmo.
Estamos nos sentindo cada vez mais cansados e por que não nos permitimos pausar a fim de recuperar nossas energias? Tenho sentido uma sociedade anestesiada por remédios, ações e reações, desistindo, às vezes, de sonhar, lutar, imaginar e criar. Pode ser impressão ou sensação e posso estar enganada, mas trago aqui essas reflexões para pensarmos juntos.
Você já se questionou quantas vezes somos bombardeados com inúmeros afazeres e expectativas “irreais”?
Tenho a impressão de que estamos sendo obrigados ou nos obrigamos a agir e reagir na mesma velocidade, sem tempo para vivenciar os processos, contemplar o belo e elaborar as emoções. Plugados no 220 volts dia e noite e noite e dia: carregados de preocupação intensa, excessiva e persistente; medos; frequência cardíaca elevada; respiração rápida e sensação de cansaço. Sem ter livre acesso para o próprio corpo. Sem se entregar aos braços do sono – vital ao bom funcionamento do nosso organismo. WOW! Respira; inspira-expira.
Segundo o autor supracitado, a ânsia incessante pela busca do fazer sempre mais nos equipara a máquinas, negligenciando nossas reais e essenciais necessidades humanas, como o ócio, a contemplação e a convivência humana. Aliás, como temos dado atenção às interações em nosso meio e em nossas relações? Temos prestado mais atenção ao “toque” ou ao “touch”?!
A sociedade contemporânea nos exige continuamente produtividade e conexão, sobretudo por meio das redes sociais e aplicativos como o WhatsApp, todavia receio que não estamos sendo produtivos e conectados conosco mesmo e com quem amamos – abdicando de nossos sonhos e anseios mais íntimos. Na música “Somos quem podemos ser”, de Engenheiros do Hawaii – banda brasileira de rock formada no início de 1985 na cidade de Porto Alegre – notamos a referência a questões de poder e responsabilidade, sugerindo que tanto quem detém o poder (quem ocupa o trono) quanto quem se omite (quem oculta o crime) é responsável pelo perpetuamento de um sistema opressor. A banda, conhecida por suas letras críticas, convida-nos à reflexão, ao questionamento da realidade e à responsabilização por nossas escolhas. Assim, “Somos quem podemos ser” adverte-nos que, apesar das adversidades reais, ainda somos capazes de sonhar e de ser quem desejamos ser.
Como cantou John Lennon em “Imagine”, quanto mais pessoas imaginarem e acreditarem nos seus próprios sonhos, mais determinadas estarão a colaborar com a transformação do mundo em que vivemos. Não há realizações sem sonhos e sem a genuína aspiração de torná-los legítimos e reais.
Byung-Chul Han, em “Sociedade do cansaço”, comenta que a “perda moderna da fé, não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas à própria realidade, torna a vida humana radicalmente transitória (2017, p. 44).” O autor interpreta a “vida desnuda” (na tradução brasileira), ou “vida nua”, como a vida reduzida à tenacidade biológica, observando a perda de confiança na imortalidade da alma, refletindo-se na absolutização da saúde corporal. Se estivéssemos interligados uns aos outros, verdadeiramente, creio que poderíamos experimentar a fé, a confiança no ser humano e na vida, pois é desolador enxergar que o próprio mundo em transformação acelerada vai varrendo velozmente para o “passado próximo” as conquistas, aptidões e experiências de cada sujeito, abreviando os pequenos e preciosos momentos das nossas vidas em um mero imediatismo. São inúmeras as pretensões, os estímulos, as famosas comparações e, para seguirmos adiante em meio ao caos, precisamos refletir e atravessar as falhas deste sistema, aceitando nossas fraquezas e nossos erros; conscientes de que este é o processo característico que nos torna humanos: errar e tentar de novo, como já cantou Raulzito.
Nesse sentido, permitir-nos questionar a respeito dessas mazelas sociais tão presentes, trata-se de uma situação de privilégio, uma vez que zelar pelas nossas atitudes, escolhas e relações é um modo de nos acolhermos e nos acarinharmos. Gilberto Gil, em sua música “Andar com fé” vale-se da fé como uma metáfora para a confiança inabalável que deve nos acompanhar nesta caminhada, ressaltando que “a fé não costuma faiá” e que, embora existam pedras no caminho (como já disse Drummond), é possível seguirmos adiante com firmeza e “plantar roseiras e fazer doces”, como escreveu Cora Coralina.
“Roda mundo, roda-gigante, roda moinho, roda pião. O tempo rodou num instante nas voltas do meu coração”, assim cantou Chico Buarque na década de 1960. Nesse passo, apesar da fugacidade da vida, muitos de nós ainda queremos nos sentir vivos e ativos na luta do viver, tendo a própria voz ouvida e participando do processo de existir, como indivíduos singulares em meio à pluralidade, pensantes e dignos de gozar a liberdade desta existência com alegria.