Já virou moda ver jornalistas, comentaristas e analistas políticos dizerem que o STF tem utilizado “métodos” da operação Lava Jato para investigar e punir o ex-presidente Jair Bolsonaro nas investigações que existem contra ele no Supremo: os supostos casos de fraude nos cartões de vacinações, a venda de joias no exterior e de tentativa de golpe de Estado após a vitória de Lula nas eleições de 2022. Mas será que isso é verdade?
Não, não é verdade. Quem é adepto da tese de que o STF está se tornando “lavajatista” para prender Bolsonaro normalmente afirma que os supremos ministros, em especial o ministro Alexandre de Moraes, têm se utilizado dos seguintes “métodos” da Lava Jato para encurralar Bolsonaro: a delação premiada de réus presos, prisões preventivas alongadas, a fishing expedition (pescaria de provas) e a concentração de poder na figura de um só juiz.
Em primeiro lugar, é mentira que a Lava Jato prendeu pessoas para conseguir delações. Um levantamento do procurador Regional da República Douglas Fischer mostra que, até o mês de agosto de 2018, foram 197 colaborações premiadas na Lava Jato, dentre as forças-tarefas do PR, de SP, do DF e do RJ. Dessas 197, apenas 31 eram presos. Desses 31 presos, apenas 7 obtiveram a liberdade provisória, não porque fizeram delação, mas sim porque não havia mais os requisitos previstos em lei. Muito diferente do que aconteceu com o tenente-coronel Mauro Cid, que foi solto pelo ministro Alexandre de Moraes imediatamente depois de fazer delação premiada.
Em segundo lugar, todas as prisões preventivas da Lava Jato ocorreram por pedido fundamentado do Ministério Público, em que foram demonstrados todos os requisitos legais para a prisão, ao contrário do que ocorre hoje no STF, em que Moraes decide de ofício sem ouvir o MP. Além do mais, na Lava Jato ninguém nunca ficou preso sem denúncia, sendo que o próprio Mauro Cid ficou mais de 4 meses preso sem acusação formal, de modo idêntico ao que aconteceu com Anderson Torres.
Em terceiro lugar, não existiu a chamada “pescaria de provas” na Lava Jato, já que muitas das provas dos crimes foi entregue de forma voluntária pelos próprios colaboradores e pelas empresas que fizeram acordo de leniência, os quais também se comprometeram, de forma voluntária, a devolver o dinheiro roubado. As buscas e quebras de sigilo sempre estiveram bem fundamentadas em crimes graves, como as várias instâncias do Judiciário reconheceram. Foi diferente nos casos de Mauro Cid e Bolsonaro, em que as buscas e apreensões no caso da fraude no cartão de vacinas pareceram apenas um pretexto para a PF ter acesso aos celulares de Mauro Cid e Bolsonaro, e assim chegar a um caso maior como o de suposta tentativa de golpe de Estado. No caso dos empresários bolsonaristas que sofreram buscas e quebras por comentários em grupos de whatsapp, nem crimes havia.
A alegação de que havia uma indevida concentração de poder na mão de um só juiz na Lava Jato também é uma falácia, já que naquela operação havia, de fato, uma mega organização criminosa envolvendo partidos, doleiros, políticos e empresários que sistematicamente agiam em conjunto para fraudar licitações e desviar dinheiro das maiores estatais do país, como a Petrobras. Havia uma conexão probatória entre os casos porque os mesmos doleiros lavavam dinheiro para os mesmos partidos e os mesmos políticos, além de que os mesmos empresários pagavam propina para os mesmos funcionários públicos corrompidos.
Além disso, a própria competência da Vara de Curitiba foi restrita pelo STF para englobar apenas os crimes que envolviam a Petrobras. O caso originalmente foi distribuído ao juiz Sergio Moro de forma aleatória e por sorteio como manda a lei, ao contrário do que ocorreu no STF, com o ministro Alexandre de Moraes sendo designado relator de ofício do inquérito das fake news e depois relator universal de todas as questões do Brasil que quiser, sem fundamento jurídico que se sustente, em uma concentração de poder difícil de explicar para a sociedade.
É preciso ressaltar, ainda, que a Lava Jato aconteceu principalmente em primeira instância, onde todos os réus e investigados tinham amplo direito a recursos e podiam rediscutir seus casos, fatos e provas na segunda instância (TRF4), terceira instância (STJ) e quarta instância (STF). Na maioria dos casos, os tribunais superiores sempre validaram as decisões da Lava Jato. Agora, Bolsonaro e demais investigados perante o STF não têm para onde recorrer em caso de condenação: tudo começa e termina no Supremo. E, o que é pior, sem que haja sequer uma pessoa com foro privilegiado que justifique a competência do STF.
A realidade, portanto, não comprova a tese de que o STF tem utilizado “métodos” da Lava Jato, e quem alega isso só deve fazê-lo por ignorância ou má-fé. A Lava Jato sempre seguiu a lei e a jurisprudência dos tribunais, enquanto que os ministros do Supremo se colocam acima da leis Temos visto abusos, ilegalidades e autoritarismo contra aqueles que são vistos como ameaça ao Supremo ou como adversários políticos, como o ex-presidente Jair Bolsonaro e os agentes da lei que atuaram na Lava Jato, como eu mesmo e o senador Sergio Moro. O verdadeiro método do STF de hoje é o arbítrio.