Quando falamos em herança ou em doação, o imposto que mais aparece nas conversas é o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), de competência dos Estados. Ele é, de fato, a principal cobrança nesse tipo de operação. No entanto, há outro tributo que também entra em cena e que muitas vezes passa despercebido: o Imposto de Renda (IRPF).
Como funciona a regra do Imposto de Renda
A legislação do Imposto de Renda (art. 23 da Lei nº. 9.532/97) prevê que, quando alguém doa um bem ou o transmite por falecimento, existem duas formas de declarar o valor desse patrimônio:
– Pelo valor histórico: ou seja, o mesmo valor que já constava na declaração do doador ou do falecido;
– Pelo valor de mercado: que é o preço atual do bem no momento da doação ou da transmissão por morte.
Se for escolhido o valor de mercado, a diferença entre o valor histórico e o de mercado pode ser tributada pelo Imposto de Renda como se fosse um “ganho de capital” com alíquota de 15%.
Na prática, isso significa que, além do ITCMD pago pelo herdeiro ou donatário, cabe ao doador ou ao inventariante do espólio escolher qual o tratamento que darão ao IRPF. Quem escolhe a transmissão pelo valor histórico está diferindo a tributação sobre renda para os herdeiros.
A posição dos donatários e herdeiros
É importante lembrar que a legislação prevê isenção do Imposto de Renda para os donatários e herdeiros que recebem patrimônio de seus genitores (art. 6º, XVI, e art. 22, III, da Lei nº 7.713/88). Ou seja, quem recebe a doação ou a herança não precisa pagar IRPF sobre esse patrimônio. O imposto, quando exigido, recai apenas sobre o doador ou sobre o espólio.
O debate no Supremo Tribunal Federal
A cobrança do IRPF sobre os doadores ou sobre o falecido, quando a transferência se dá pelo valor de mercado, vem sendo questionada judicialmente. Os argumentos centrais podem ser resumidos em dois eixos principais:
Pacto federativo – a Constituição atribui aos Estados a competência exclusiva para cobrar o ITCMD sobre doações e heranças (art. 155, I, CRFB). Permitir a incidência simultânea do IRPF pela União configuraria sobreposição indevida de impostos, em violação ao pacto federativo.
Capacidade contributiva – o acréscimo patrimonial ocorre apenas para o donatário ou herdeiro, já tributado pelo ITCMD. O doador ou o falecido sofrem redução de patrimônio, de modo que a sujeição ao IRPF prevista na Lei nº 9.532/97 afronta o princípio da capacidade contributiva e seria inconstitucional.
A Suprema Corte deve decidir até o fim de 2025 se é constitucional a cobrança do IRPF em doações e heranças. Caso a decisão seja favorável aos contribuintes, dois efeitos práticos se destacam: (i) transparência, pois as famílias teriam mais estímulo para declarar no ITCMD o valor real de mercado; e (ii) redução da carga tributária futura, já que o ganho de capital da revenda do patrimônio pelo sucessor seria menor em futuras vendas.
Por enquanto, porém, a Receita Federal mantém a exigência de que o IRPF seja recolhido quando as doações e heranças são transmitidas pelo valor de mercado. Essa divergência entre Fisco e contribuintes é justamente o que faz do julgamento do STF um marco aguardado para a definição dos limites da tributação nesse campo.
*Este artigo tem caráter exclusivamente informativo e não substitui a orientação de profissionais especializados.