♫ “Alô, alô, marciano/ A coisa tá ficando ruça/ Muita patrulha, muita bagunça/ O muro começou a pichar/ Tem sempre um aiatolá pra atolar, Alá/ Tá cada vez mais down the high society”♫ (Alô, alô, marciano; Elis Regina)
O título do texto de hoje foi descaradamente inspirado no livro “Eram os Deuses Astronautas?” (Erinnerungen an die Zukunft, no original alemão, Chariots of the Gods, em inglês), do suíço Erich von Däniken, publicado originalmente em 1968. O livro, em linhas gerais, traz uma teoria de que as civilizações antigas eram resultado de invasões alienígenas e fez grande sucesso na época. Virou filme (documentário de 1970), mas também foi muito criticado por cientistas e historiadores.
Em resumo, o autor acreditava que grandes obras das civilizações antigas, como as pirâmides do Egito e dos Incas, os moais da Ilha de Páscoa e outras, só poderiam ter surgido com intervenção de extraterrestres. Além disso, defendia que a raça humana seria fruto de um cruzamento entre primatas e alienígenas. Bem, tem gente que ainda acredita nisso, mas não é esse o ponto de hoje.
Os novos deuses.
Com essa história em mente, surgiu outra possibilidade: e se os deuses forem, na verdade, algoritmos? Hoje, praticamente tudo é comandado por eles. Refiro-me aos algoritmos computacionais. Eles sabem tudo, já são preditivos e tomam decisões por nós, muitas vezes de forma mais eficiente do que nós mesmos.
Os algoritmos decidem o que vemos nas redes sociais, os vídeos que assistimos, as músicas que ouvimos e até com quem interagimos. Eles sugerem livros, filmes, roupas e até possíveis parceiros. Com base em padrões de comportamento, conseguem prever nossos desejos e necessidades, muitas vezes antes de termos consciência deles. Essa presença invisível, mas poderosa, leva à comparação provocativa: seriam os algoritmos os novos deuses, influenciando nossa realidade sem que tenhamos plena consciência disso?
Ao contrário da teoria dos deuses astronautas, os algoritmos são palpáveis e reais. Eles estão nas redes sociais, nos mecanismos de busca, nas plataformas de streaming e até na saúde pública.
São eles que filtram as informações que consumimos, hierarquizam o que merece nossa atenção e orientam decisões que antes eram exclusivamente humanas. Entregamos a eles não apenas a responsabilidade de organizar nossas vidas digitais, mas também nossa confiança cega.
A comodidade
Esse fenômeno levanta questões importantes sobre nossa relação com a tecnologia. A conveniência oferecida pelos algoritmos é inegável: suas sugestões muitas vezes economizam nosso tempo e nos ajudam a descobrir coisas que gostamos. No entanto, a eficiência tem um preço. Pouco a pouco, abdicamos de nossa autonomia, permitindo que decisões automáticas moldem nossos hábitos e até nossos pensamentos. Isso sem contar o quanto se alimentam dos nossos dados.
Há, assim, um ciclo perigoso nos algoritmos: eles refletem os dados com os quais são alimentados, os quais vêm de nós mesmos — com nossos preconceitos e distorções. Assim, os chamados filtros-bolha criam ambientes personalizados, porém limitados, que reforçam nossas visões de mundo e dificultam o acesso a perspectivas diferentes. Isso nos isola e nos afasta da pluralidade necessária para reflexões mais profundas.
A crescente dependência de algoritmos também traz preocupações éticas. Até que ponto devemos delegar decisões importantes a sistemas automatizados? Estamos perdendo a capacidade de pensar criticamente e de fazer escolhas conscientes? Como garantir que a eficiência tecnológica não comprometa nossa liberdade?
Assim como Däniken propôs que os deuses astronautas moldaram a humanidade, hoje é inegável que os algoritmos moldam nosso comportamento. Mas, ao contrário das civilizações antigas, temos o poder de decidir como lidar com essa influência. Precisamos questionar a quem estamos entregando nossas decisões e até que ponto estamos dispostos a sacrificar nossa autonomia pela conveniência.
Os algoritmos, afinal, não são deuses. Mas, ao confiarmos neles sem questionamento, os elevamos a esse status. Cabe a nós, como sociedade, resgatar o controle, aprender a usá-los como ferramentas — e não como divindades. Porque, ao contrário das civilizações descritas por Däniken, temos escolha. E, com escolha, vem a responsabilidade de construir um futuro que equilibre tecnologia e humanidade.
Ou eu estou errado e, no final das contas, foram os algoritmos que nos criaram e já traçaram nossos destinos…?