Pornografia de vingança

foto: Freepik

Por: Raphael Rocha Lopes

09/04/2024 - 13:04 - Atualizada em: 09/04/2024 - 15:18

“♫ Eu quero ver você/ Numa piscina de óleo fervendo/ Pedindo socorro e eu te oferecendo/ Uma dose de rum pra você se esquentar// Mas naquela noite/ Em que meu coração era só esperança/ Eu juro que não pude crer no que vi/ Você seduzindo o meu segurança” (Banho de piscina; Clarice Falcão).

Das tantas epidemias que permeiam os mundos real e virtual, a pornografia de vingança (ou revenge porn, no original em inglês) é, talvez, a mais cruel que existe entre dois ex-amantes (em sentido genérico – ficantes, namorados, noivos, casados, companheiros, ou qualquer variação possível).

A pornografia de vingança é uma subespécie da pornografia não consentida ou não consensual (ou NCP – nonconsensual pornography, novamente em inglês). Esta é mais abrangente e abarca todas as formas de divulgação não autorizada de fotos ou vídeos íntimos, como, por exemplo, alguém que tem acesso a um celular ou computador com imagens de terceiros e divulga por divulgar. Também é cruel, mas é diferente.

As vítimas.

A pornografia de vingança é especialmente atroz justamente porque parte de alguém que se esperava alguma cumplicidade. E que não venham os moralistas de plantão com o argumento de que a vítima quis correr o risco de ter sua intimidade tornada pública. É o mesmo que dizer que o ladrão pode furtar a bolsa porque alguém a esqueceu na mesa do restaurante ou entrar na sua casa porque o portão está aberto.

É uma vingança desumana, como, em verdade, sói ser a maioria delas, porque as vítimas são, normalmente, jovens mulheres, às vezes adolescentes. Muitas vezes a monstruosidade é aumentada com a identificação das redes sociais delas, ou a divulgação para círculos de amizade ou familiares delas.

Os algozes, intencionalmente ou não, com seus atos atingem toda a família, quase que invariavelmente desestruturando-a de forma profunda. Deixam as vítimas em estado de pânico e, em casos mais graves, levando-as a medidas drásticas.

Os criminosos.

Independentemente de quem divulgou ser um ficante ou um ex-companheiro de longos anos, ele é criminoso. Ou ela, claro, porque há casos de vítimas homens, assim como de vítimas de relacionamentos homoafetivos.

A NCP, por si só, é crime no ordenamento jurídico brasileiro. Está no contexto do art. 218-C do Código Penal: quem “Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia” poderá ser condenado à reclusão de um a cinco anos.

E o caso da pornografia de vingança, especificamente? Diz lá que “se o crime for praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação”, se for cometido por duas pessoas ou mais ou “se o agente for ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela” a pena será aumentada (em diversos moldes).

Além das questões criminais, há, também, a possibilidade da vítima ser indenizada pelos danos materiais e morais que vier a sofrer – e não tenho qualquer dúvida que sofrem – em decorrência destes atos inescrupulosos.

Certos atos não há como reverter. Jogar os criminosos numa piscina de óleo fervendo com uma dose de rum, apesar da vontade, também não dá. Resta conversa, muito conversa da família e a tomada de medidas rápidas para diminuir os danos e fazer com que os culpados sejam devidamente processados e condenados. Esses criminosos sabem que eles próprios são complexados, com complexos de diversas naturezas, mas, mesmo assim, não podem passar impunes.

E fica, aqui, minha eterna sugestão aos pais de crianças, pré-adolescentes, adolescentes e jovens: conversem muito sobre isso também. Eles estão na internet, normalmente, mais que vocês e toda a atenção, em sintonia com as escolas, é extremamente importante. Mas sem neuroses…