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sábado, 04:00 - 30/04/2016

Existem coisas que, mesmo sem uma regra estipulada, são como são. Já seguem uma tradição popular. E, dentre todos os produtos e serviços, entre todas as classes sociais, entre esquerda e direita, nada tem mais padrão do que o caldo de cana.
Não vi, até hoje, um só lugar que vendesse garapa, que não fosse naquele copo alto de vidro. Quando o sujeito para numa barraquinha e pede um caldo, ele não imagina que seja diferente. Não tem segredo. Só existem duas perguntas possíveis nessa relação cliente x atendente: 1 – Com ou sem limão? 2 – Chorinho?
Não tem essa de: “Médio ou grande?” “Pra viagem?”. Um caldo que se preze, nunca é para viagem. Quando o atendente sabe se é com limão (ou não). Ele vai pra moenda, liga a chave, pega o pedaço de cana e dá a primeira passada na máquina. Depois, pega um pedacinho de limão, dobra o bagaço, coloca o limão no meio e dá a segunda passada. Daí volta o sujeito para o balcão, empunhando aquele grande jarro de alumínio, e enche aquele copo padrão.
Não sei você, mas eu nunca encontrei desses copos para comprar. E só os vi em dois lugares: barraca de caldo de cana e discoteca. Não qualquer uma! É discoteca que toca Euro Disco, e que vende cerveja de garrafa e que usa o copo (aquele copo!) para servir Cuba Libre. Discoteca com globo de espelho e uma turminha fazendo passinho no dance floor, estilo a rapaziada do Trenzinho Carreta Furacão (não conhece? Joga no Youtube e assiste. Você verá o Fofão, Pato Donald, Capitão América, Mickey e um palhaço dançando). Esse é o tipo de discoteca que já não existe mais, que usava carimbo transparente, daquele que só se via na luz negra, pra não ser falsificado/copiado.
Então, o cliente, quando deixa o copo meio vazio no balcão, encosta o atendente com o grande jarro de alumínio: “Chorinho?”. E o cidadão não precisa dizer nada, basta um balançar de cabeça. É copo cheio, outra vez.
Parece que nós, usuários de internet, também nos acostumamos desse jeito. Pagar mensalidade por uma internet ilimitada. Ilimitaaaaadaaa. Poxa, eu lembro bem da primeira vez que soube da existência de um plano assim. Fiquei boquiaberto. Não sabia como isso era possível. Até então, eu só usava internet discada, daquelas que tínhamos que baixar um discador, esperar o computador fazer todo aquele barulhinho e daí conectar, pagando por pulso, numa ultra conexão de 56,6 Kbps. Era o ó do borogodó.
Agora que achávamos que internet ilimitada também era uma coisa óbvia, como caldo de cana em copo alto de vidro, querem mudar. Depois que nos acostumamos (mal) com a regalia, com Netflix rolando ao mesmo tempo que descemos a timeline no Face e todo mundo nos deseja “boa noite” nos grupos do Whats, teremos que nos readequar. Controlar essa “la vida loca” virtual. Definitivamente, não é como caldo de cana. Só o chorinho (do cliente).
Ah, mas depois de um tempo, vai tudo voltar ao normal. Todos se acostumarão. Aí, quero ver quando chegar visita na casa do cidadão e pedir a senha do wi-fi. Então, visita boa será aquela que recebe a senha da internet sem pedir. Melhor ainda, se disser: “Não precisa, eu uso meu 4G. E pode deixar que eu lavo a louça”.
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