Ossos inteiros, mentes nem tanto

Foto: Adobe Stock

Por: Raphael Rocha Lopes

04/06/2024 - 13:06 - Atualizada em: 04/06/2024 - 15:21

“♫ Tá feio aqui/ Tá muito poluído/ Eu tô triste eu tô borrecido// Eu tô cansado da cidade/ Eu quero ir pro mato/ tem de tudo lá/ porco galinha pato/ tem carroça/ tem cachorro/ tem carro de boi” (Juvenar; Karnak).

O título de hoje é quase um plágio de uma das manchetes que coloquei nesse vídeo, que publiquei no último final de semana, e que trata da necessidade de estimular mais as crianças à leitura em livros físicos, aqueles de papel mesmo.

O vídeo começa com um menino lendo um livro para um gato e termina com algumas manchetes de diversos sites que chamam a atenção para o uso excessivo de telas pelas crianças, especialmente as pequenas. Os especialistas estão realmente preocupados, e, se eles estão, você também deveria estar.

Braços quebrados

Criança que brinca tem o natural risco de se machucar. Pernas, braços ou dentes quebrados; joelhos e mãos ralados; galos na cabeça. Pena que o mertiolate não arde mais. Também caiu de moda aquela conversa motivadora de mãe: “Engole o choro!”.

Na matéria que me inspirou o título de hoje, do portal da revista Piauí, um estudo aponta que adolescentes americanos hoje são menos propensos a fraturar ossos que alguém acima de 50 anos. Ou da mesma faixa etária de tempos atrás. Até o ano 2000, os meninos lideravam o ranking de internações por acidentes, seguidos das meninas. Frutos, em regra, do ato de brincar.

A partir de 2007 com o iPhone e, especialmente, de 2012 com a popularização das redes sociais, os problemas que estão crescendo entre crianças e adolescentes são ansiedade, automutilação, depressão, isolamento social grave, segundo o psicólogo social Jonathan Haidt, autor do livro The Anxious Generation – How the great rewiring of childhood is causing an epidemic of mental illness (A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais). Vício em jogos, em pornografia, ou simplesmente em estar conectado avançam a passos larguíssimos.

Andar de bicicleta em pistas e rampas criadas pelas próprias crianças, subir em árvores, brincar de pega-pega ou de esconde-esconde, foram substituídos por telas. Menos ossos quebrados, mais problemas psicológicos.

Infância sem celular

Outro grande estudioso da transformação digital, Ronaldo Lemos, escreveu recentemente que “é preciso acabar com a infância na frente do celular”, e traz referências, entre outras, do livro que comentei acima.

Em seu texto ele comenta números assustadores: depressão e ansiedade cresceram 50% entre 2010 e 2019 nos EUA; suicídios entre jovens de 10 a 19 anos subiram 48% e o padrão se repete na Austrália, Canadá, Inglaterra, Suécia entre outros países. No Brasil, o suicídio de adolescentes de 10 a 19 cresceu 47% entre 2016 e 2021 de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria. Notas de matemática, leitura e ciências despencaram globalmente desde 2010, conforme o exame Pisa.

A conclusão de ambos é que tudo isso tem uma causa principal: infância e adolescência na frente do celular. Concordo com eles. Venho falando disso há anos. Crianças precisam também de ócio. Precisam de nada para fazer, para se aborrecerem e criarem alguma coisa. E o celular na mão não permite isso; não dá esse tempo do nada.

Que futuro queremos para a humanidade, já que essas crianças e adolescentes serão nossos próximos líderes?

E quando escolas, pais e governo tratarão o assunto com a seriedade que merece? Espero que não quando for tarde demais!

 

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Raphael Rocha Lopes

Advogado, autor, professor e palestrante focado na transformação digital da sociedade. Especializado em Direito Civil e atuante no Direito Digital e Empresarial, Raphael Rocha Lopes versa sobre as consequências da transformação digital no comportamento da sociedade e no direito digital. É professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Católica Santa Catarina e membro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.