Houve um tempo em que as ideias ferviam em mesas de madeira, acompanhadas de café forte, eventualmente fumaça de cigarro e olhares atentos. Eram os cafés, das grandes e pequenas cidades, espaços em que artistas, intelectuais, curiosos e pessoas como nós se reuniam para discutir o mundo, discordar civilizadamente e, por vezes, mudar o rumo da história com uma boa conversa.
Hoje, os cafés continuam cheios, mas as conversas migraram. A mesa foi substituída por uma tela, o aroma do café por emojis fumegantes, e o olhar atento pelo ícone verde que indica online. Os novos cafés são as redes sociais, os fóruns, os grupos de mensagens. A diferença é que, agora, fala-se muito, ouve-se pouco e quase ninguém toma o tempo de saborear o pensamento do outro.
O debate, que antes exigia presença, pausa e paciência, tornou-se instantâneo, impessoal e volátil. Não se precisa mais olhar nos olhos de quem pensa diferente, nem lidar com o desconforto do silêncio entre um argumento e outro. Basta um clique. Um bloquear resolve o que, antigamente, se resolvia com mais uma xícara de café e uma boa dose de empatia.
Paradoxo
A internet, paradoxalmente, deu voz e tirou o ouvido. Nos cafés de antigamente, a discordância era combustível; hoje, é motivo de cancelamento. Aquele que ousa pensar diferente é tratado como herege digital, excomungado por algoritmos que preferem o conforto da unanimidade.
Mas o que perdemos não é apenas o debate. Perdemos a beleza do encontro. O riso que surge entre uma provocação e outra, o olhar que suaviza uma divergência, o gesto que substitui mil palavras. A conversa online é eficiente, mas desidratada. Falta-lhe textura, tom, hesitação, tudo o que torna o diálogo humano.
Os novos cafés são rápidos, nervosos e ruidosos. As ideias mal se aquecem e já esfriam no próximo post. O pensamento crítico, que precisa de tempo para infusão, é atropelado pela urgência da resposta. Se antes o silêncio servia para refletir, hoje ele é interpretado como fraqueza.
Pretextos
Não se trata de nostalgia. O progresso trouxe possibilidades magníficas. Hoje, um estudante em Jaraguá do Sul pode debater com um professor em Lisboa; uma ideia nascida num fórum pode inspirar um movimento global. Mas, ao mesmo tempo, o excesso de conexão parece nos ter deixado desconectados da escuta. A comunicação se expandiu; a compreensão, nem tanto.
Talvez o segredo esteja em resgatar o espírito dos cafés dentro da internet: desacelerar, respirar, deixar o outro terminar a frase. Não é preciso abandonar a tecnologia, mas humanizá-la. Um emoji pode ser simpático, mas nunca substituirá o brilho de um olhar ou o ritmo de uma conversa bem temperada.
Há algo de revolucionário em ouvir com atenção, em duvidar de si mesmo, em mudar de ideia. Nos velhos cafés, isso era um hábito elegante. Nos novos, pode ser um ato subversivo.
Quem sabe, ao fim, o café volte a ser o que sempre foi: um pretexto para o encontro. Mesmo que a xícara agora esteja ao lado do teclado.