“♫ Tô cansado de moralismo/ Tô cansado de bacanal/ Tô cansado, tô cansado/ Tô cansado, tô cansado” (Tô cansado; Titãs)
Há vários anos venho estudando, discutindo, debatendo, participando de eventos, dando palestras sobre os impactos da transformação digital e das fake news e a necessidade (urgente) de a sociedade pensar seriamente sobre educação digital e, consequentemente, responsabilidade digital.
Às vezes encontro eco. Outras vezes parece só uma caverna vazia mesmo.
A reflexão de hoje veio de um podcast que ouvi semana passada: Rádio Escafandro (ou simplesmente Escafandro), de Tomás Chiaverini. O último episódio, “A infame escola de golpes”, é fruto de uma parceria com a Agência Lupa e trata de uma apuração que a Lupa fez sobre o crescimento dos golpes digitais. Meu texto de hoje está baseado nessa conversa entre Chiaverini e Gabriela Soares, repórter da Lupa.
As escolas de golpes
Que existem golpes na internet, não há quem negue. Que há indústrias de golpes, também muita gente já sabe. O que assusta é o nível de visibilidade desta indústria ou, mais exatamente, nas palavras dos dois jornalistas que citei acima, das “escolas de golpes”.
Procurando (e nem precisa ser bem procuradinho), qualquer pessoa encontra perfis e páginas que ensinam os mais diversos tipos de golpe. Alguns com o requinte de um aviso de que “ensinar golpes não é crime, é liberdade de expressão” ou coisa que o valha. Ensina-se e negocia-se tudo. De lista completa de cadastros de possíveis vítimas a oferecimento do próprio nome para ser laranja. E, claro, os mais diversos tipos de golpes e as mais variadas alternativas para escapar do radar da polícia ou para esquentar o dinheiro fruto dos crimes de golpes na internet.
É impressionante. E, se você ficou curioso, recomendo ouvir o podcast no Escafandro e ler as matérias no portal da Lupa.
As escolas necessárias
O meu desalento começa aqui: quão preocupados estão nossos governantes, especialmente os municipais e estaduais, com o futuro das crianças e adolescentes? Ao não darem a mínima bola, ou darem a bola mínima, para a educação digital nas escolas, parece-me que nada preocupados. Nada! A não ser, talvez, a cada quatro anos (ou dois) em suas eternas campanhas.
Os governantes (e aqui incluo, ainda que de forma transviada, os legisladores) brasileiros não estão fazendo nada de concreto e massivo como vêm fazendo, por exemplo, os da Finlândia, que incluíram esse tipo de matéria no currículo escolar das crianças, só para ficar em um exemplo.
Associe isso ao já conhecido deficitário sistema educacional brasileiro e ao capitalismo selvagem que valoriza mais o ter do que ser, com a falácia da meritocracia (por si só como salvador de vidas pobres), com filhos e netos vendo que seus pais e avós, sendo sérios e trabalhadores, não evoluíram financeiramente, e a fórmula do desastre está pronta.
Esses crimes acontecem à luz do dia ou na sombra da noite (a internet não vê sol nem lua), sendo uma tentação a qualquer adolescente ou jovem. Acontecem em plataformas de redes sociais, especialmente Discord, Youtube, Instagram e TikTok e aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram. Mas não só, obviamente.
E enquanto tem deputada achando bonito passar vergonha porque propôs o fim do IR para todos, a discussão real e séria sobre regulamentação de redes sociais não avança. E enquanto não avança e as redes sociais fazem vistas grossas (porque viralização dá dinheiro para elas e não acontece nada mesmo) e a polícia não tem braços para tantos crimes cibernéticos, pense em quem pode ser a próxima vítima.
Realmente dá vontade de desistir de discutir educação digital nesse país…