Há algum tempo atrás, eu ainda vivia em um grande formigueiro. Éramos centenas na mesma comunidade, convivendo no mesmo espaço, comungando das mesmas ideias, numa sintonia perfeita. Todas nós somos da mesma família, Formicidae. Unidas, caminhávamos como um exército que marcha para a frente de batalha. Você sabia que as formigas formam o grupo mais numeroso entre os insetos? E que nos dividimos em mais de mil espécies? Ah, e os especialistas em mundo animal dizem que podemos viver 18 anos... Tudo lá funcionava com a precisão de um relógio suíço! A nossa rainha comandava um verdadeiro exército de trabalhadoras. Lembrava uma empresa japonesa, de tão organizado que era aquele formigueiro! Todas as tarefas eram bem divididas e seguiam uma rígida hierarquia. Tínhamos as sentinelas, as operárias e as enfermeiras... A rainha tinha uma árdua tarefa, além de liderar a comunidade, a da reprodução da colônia... - E o que aconteceu? Se essa comunidade era assim tão perfeita, por que agora você está aqui?!, perguntou a abelha, espantada. Nós vivíamos em uma mata fechada, com sementes e folhas em abundância. As operárias trabalhavam muito, incansáveis. A demanda era tanta, que elas se revezavam em três turnos. Era uma fartura total! Até que um dia, os madeireiros da região, gananciosos, começaram a devastar a mata virgem e tivemos de debandar. Foi uma tristeza! Árvores derrubadas choravam lágrimas de seiva e o som que faziam, ao cair, eram gemidos de dor que ecoavam longe, muito longe dali... Corremos muito, lutamos por nossas vidas, cada qual carregando uma folha 10 vezes maior que o próprio peso. Mesmo assim, aguentamos firme por um bom tempo. Mas, quando a floresta foi incendiada, aí o desespero foi geral! Podíamos sentir o cheiro da fumaça e das nossas companheiras, que morreram carbonizadas, através de nossas antenas... Foi um horror! - E quantas sobreviveram a esse massacre? Para onde foram? Em meio à tragédia, o grupo se dispersou, cada uma seguiu seu rumo. Umas alcançaram cidades vizinhas, outras embarcaram em caminhões de carga que transportavam alimentos e viajaram para a cidade grande, atravessaram estados e algumas até mudaram de país. - E você, não quis conhecer outros lugares, viajar pelas estradas desse mundão? Olha, depois de tudo que vi e vivi, prefiro ficar aqui nessa floricultura, em meio a esses aromas inebriantes, no meio de tantos vasos e mudas de árvores frutíferas... Sabe por que? É que aqui, todas as manhãs sou acordada pelo sol e pelo colorido das flores. E quando chove, me encolho e fico curtindo o som da água que cai no solo e molha a vegetação. Assim, procuro esquecer o que ficou para trás e construir o futuro nesse novo grupo, com formigas que também estão recomeçando, como eu...