Era final de 1971. As férias escolares tinham recém iniciado. O nacionalismo, promovido por campanhas ufanistas da ditadura, regia a marcha da nação na época. A música tema da Copa de 70, “Pra frente Brasil”, ainda retumbava nos quatro cantos do país. Eu tinha 10 anos de idade. Mamãe ordenou que eu fosse ao sapateiro levar um par de sapatos para consertar. Ao chegar na sapataria, com muita timidez, mostrei o reparo a ser feito e aproveitei para pedir um emprego. Fiquei surpreso com a pronta resposta do sapateiro, Sr João Renzi:
– Garoto, se você não se importa em se sujar de graxa, eu tenho o emprego!
– Eu aceito o trabalho. Quando poderei começar?
– Hoje mesmo, sugeriu ele.
– E quanto eu vou ganhar?
– Se trabalhar todos os dias, das 7h30 às 18h, e aos sábados até ao meio dia, posso lhe pagar 2 cruzeiros todos os sábados. Isso dará 8 cruzeiros por mês.
– E quando recomeçarem minhas aulas, como ficaria?
– Bem, você poderá, então, trabalhar meio período, e dependendo de seu desempenho, manterei o mesmo valor.
– Vou em casa avisar minha mãe e já volto, respondi ansioso.
Enquanto corria, imaginava a oportunidade de um dia poder ir para a escola de sapato. Cheguei em casa extenuado e compartilhei a feliz conquista com a orgulhosa mamãe. Nem esperei o abraço. Minutos depois, lá estava eu em meu primeiro emprego. Graxa, escova, flanela e um banquinho. Nunca esqueci a primeira mensagem do patrão: poderei fazer de você o melhor engraxate do vilarejo. Quem sabe, o melhor sapateiro. Comece fazendo com que os sapatos brilhem, gastando o mínimo possível de graxa, e com agilidade. Preste atenção como eu faço.
Cheguei em casa do primeiro dia de trabalho, com graxa dos pés à cabeça. Passados uns meses, já adaptado ao trabalho, mamãe me ordenou que eu consultasse o patrão sobre o preço de dois pares de sapatos novos. Seriam para a primeira comunhão minha e de meu irmão. Ao consulta-lo, fui surpreendido com o primeiro desafio profissional de minha vida: você já deve ter observado como eu faço sapatos, não é? Pois bem, faça você mesmo seu par de sapatos e de seu irmão, e eu não cobrarei por eles. Passadas duas semanas, cheguei em casa com os sapatos numa sacola. Confesso que tive calos, mas as marcas que me ficaram foram o semblante orgulhoso de papai e o olhar marejado de felicidade da mamãe.