O preço da violência, ninguém quer pagar

Por: Pedro Leal

13/09/2016 - 15:09 - Atualizada em: 13/09/2016 - 15:46

Venho notando tanto na esquerda quanto na direita uma forte crença na violência como a rota ideal para a transformação da sociedade. A lógica é tão simples quanto é direta: se for exercida violência o bastante, os reacionários/os subversivos hão de ser esmagados e há de ser implementada a nova sociedade ideal. Apenas a violência, afirmam seus defensores, tem o poder de mudar a sociedade, e apenas se aplicarmos-na com a intensidade certa obteremos resultado.

Se a polícia bater em “vagabundos” o bastante, com força o suficiente, há de acabar o crime e de serem calados os “comunistas”; se jogarmos molotovs e quebrarmos vidraças o suficiente (ou jogarmos os molotovs nas pessoas certas vezes o suficiente, para os mais radicais), a revolução há de ser feita, e os capitalistas/o estado/o patriarcado há de se render ante a fúria popular. O exercício de poder destrutivo, da violência, é para muitos visto como a solução perfeita, infalível e indiscutível.

Para seus pregadores, muitos dos quais quase que religiosos em sua adoração ao poder transformador da violência, esta é infalível: a noção de que suas vítimas possam não merecer, de que o policial possa bater na pessoa inocente, que a bomba revolucionária possa atingir quem não tem culpa pelo status quo ou quem o combate não existe. A escalação da violência quando o inimigo (em particular, quando o estado) aumenta seu uso da violência em resposta, por sua vez, é visto como prova de que seus atos são justos, corretos e incriticáveis.

E no meio desse balé de destruição, aqui um patético ato de um homem só, dado a incongruência entre retórica “revolucionária” e os atos que não expressam o desejo de violência visto nas palavras, ninguém parece pensar no que virá após a violência. Há um discurso recorrente já desde 2013 no país de que estamos em uma guerra civil.

Fácil justificar pancadaria, prisões extra judiciais ou bombas em uma guerra civil. Mas a presente situação do país, por mais terrível que seja, não é de guerra. Muito menos é comparável à da Primavera Árabe – um exemplo cruel de como o ímpeto revolucionário e a garra reacionária podem se mesclar de forma horrível. Os belos ideais de alguns grupos envolvidos na onda de protestos do Oriente Médio foram devorados por um misto de violência e fanatismo. Em seu lugar, em meio à repressão, extremistas pelos governos corruptos, autoritários e decadentes faziam combatiam extremistas religiosos e étnicos cuja visão de mundo não era melhor que o estado que combatiam.

Há três perguntas que devem ser respondidas no período pelo qual passamos, para aqueles que acham que a supressão policial, os molotovs ou a luta armada são a solução. A primeira é: vocês levaram em conta a quantidade de pessoas que serão pegas no meio do conflito que criaram? Estão cientes do custo de sua “revolução” ou de sua “cruzada” e quanta gente inocente (por sua perspectiva) será engolida nisso?

A segunda é resultado direto da primeira: quando os subversivos ou os reacionários forem derrotados e seu admirável mundo novo estiver no lugar do velho, o que será feito com os defensores da velha ordem, e com as pessoas que pensam como você, mas cuja sociedade ideal é outra? O que será feita para evitar outra revolução como a sua? Igualmente, o que será feito se, após sua revolução, a população ficar contra vocês? Como barrar as idéias subversivas? Ou como conviver com elas?

Por último: passou por suas cabeças a possibilidade de sua revolução/cruzada moral dar horrivelmente CERTO? A história deixa claro que alguns movimentos “pela pureza da nação”, “pelo povo operário”, “pelo bem maior” e outras causas “nobres” terminam por criar regimes piores que aqueles que derrubaram. Que os demônios de ontem por vezes são menores que os de amanhã. Como farão para não repetir os erros do passado? Independente de esquerda ou direita, o ideal e a realidade muitas vezes não estão em sintonia e parece me faltar, em muitos grupos, planejamento que vá além de “primeiro a gente acaba com o sistema, depois….” – uma receita perfeita para a realidade se demonstrar grotesca.

Há uma abundância de formadores de opinião, fomentadores, propagandistas e polemicistas que não parecem compreender as implicações do que sugerem. Falta a estes assumir a responsabilidade pelo curso de ação que sugerem. E isto, por si só, já é de uma periculosidade impar. Outros, no entanto, tem um fetiche preocupante ou pelo exercício da violência ou pelas repercussão da mesma. Não falta quem sugira que “bandido bom é bandido morto” não por achar que essa é a solução para o problema da criminalidade, mas pelo prazer sádico de ver mais um “bandido” apanhando e levando bala das autoridades.

É fácil pensar que aqueles que de nós discordam o fazem por perversidade ou crueldade. Que os piores movimentos do passado ocorreram por serem feitos por pessoas más, que “nós” detemos a verdade, que nossos nobres ideais são imunes ao fracasso. Mas poucos movimentos históricos eram movidos abertamente por ideais torpes. Para seus signatários, o nazismo era um movimento belo e nobre; para os membros do Estado Islâmico, eles farão do mundo um lugar melhor. O Khmer Rouge acreditava ser o melhor caminho para o Camboja, assim como o “Grande passo para frente” era visto como o melhor para a China. Fácil ignorar exemplos como estes por sua monstruosidade – mas eles deveriam servir como um lembrete da importância de pensar em suas ações e seus discursos.

O Brasil ainda está longe de ver violência de verdade por parte da oposição ao governo ilegítimo de Michel Temer. Mas não de ver pregação de violência entre as fileiras de alguns movimentos de esquerda – e justamente por isso é hora de discutir o quão sábio seria usar da força para fins políticos. Para a direita, temos uma violência extrema na forma de pedras jogadas em vidraças – imaginem o que diriam das ações no período do Bakumatsu (1853-1867), em que a oposição ao decadente shogunato Tokugawa tomava para si o direito de executar os “cães do shogun” em via pública. Ou dos atentados judaicos nos territórios ocupados da palestina, nos anos 30 – assim como falam dos atentados palestinos em Israel, hoje em dia.

É claro, há uma diferença brutal nestes cenários. O governo Temer pode ter rompido com preceitos democráticos, mas não é uma autocracia como era o shogunato, tampouco é uma ocupação estrangeira como o protetorado da Palestina. Pensem no tipo de ação política que querem implementar, antes que seja tarde demais para refrear suas ações. E antes que a situação política do país se confirme como a de um estado fragilizado. Ainda há tempo para pensar outras vias, ao invés de fantasiar que a violência é a única. Não chegamos nesse ponto ainda.

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Pedro Leal

Analista de mercado e mestre em jornalismo (universidades de Swansea, País de Gales, e Aarhus, Dinamarca).