“♫ Ticking away the moments that make up a dull day/ Fritter and waste the hours in an offhand way/ Kicking around on a piece of ground in your hometown/ Waiting for someone or something to show you the way ♫ ” (Time; Pink Floyd)
Estamos nos acostumando a um mundo em que tudo precisa ser imediato, mastigado e entregue sem esforço. E a conta disso, já está claro, chega cedo. Crianças e adolescentes abandonam livros inteiros por vídeos de quinze segundos, como se qualquer narrativa que exigisse paciência fosse uma espécie de tortura intelectual. A leitura, que sempre foi o exercício central da imaginação e da concentração, está perdendo espaço para um consumo acelerado que mal permite ao cérebro respirar entre um estímulo e outro.
Essa preguiça coletiva aparece em lugares onde jamais deveria surgir. Escritórios recebem estagiários e jovens profissionais que nunca abriram um computador de mesa. Sabem desbloquear um celular, fazer dancinha no TikTok e editar vídeos com filtros complexos, mas travam ao tentar salvar um arquivo em PDF ou enviar um e-mail formal. Não é falta de capacidade; é falta de hábito. Um mundo que se adaptou demais ao toque da tela esqueceu que os fundamentos ainda importam.
Sobrevivência digital
A preguiça também molda os nossos olhos. Não conseguimos mais distinguir com clareza o que é real e o que é fruto de inteligência artificial. Entre deepfakes tecnicamente impecáveis e conteúdos gerados por IA que imitam vozes, gestos e até emoções, o ceticismo virou necessidade básica de sobrevivência digital.
Só que, ironicamente, essa mesma necessidade exige esforço, e aí reside o problema. Dá trabalho verificar, investigar, desconfiar. E muita gente prefere acreditar no primeiro vídeo que aparece, especialmente se ele reforça o que a pessoa já gostaria que fosse verdade.
O entretenimento sofre o mesmo efeito. Filmes densos, complexos ou lentos demais exigem uma atenção que poucos estão dispostos a conceder. É mais fácil abandonar uma obra rica em troca de um algoritmo que entrega, sem interrupções, aquilo que diverte rápido e evapora rápido. A profundidade está se tornando um incômodo. E, quando complexidade vira sinônimo de tédio, perdemos a capacidade de argumentar, de debater, de discordar com consistência.
O fim do bom debate?
Discutir, aliás, tornou-se quase um esporte de baixa exigência técnica: cada um defende sua opinião como se fosse um time de futebol, sem ler, ouvir ou refletir. Preferimos certezas prontas. Preferimos frases curtas. Preferimos aquilo que não nos confronta. É a era em que se terceiriza até o pensamento.
Há, sim, fatores estruturais envolvidos: sobrecarga de trabalho, desigualdades profundas, falta de acesso e oportunidades. Mas há também um conforto perigoso na simplicidade instantânea, que anestesia a curiosidade e afeta diretamente nossa capacidade de pensar criticamente como sociedade, como profissionais e como cidadãos.
Superar essa preguiça coletiva não exige heroísmo, apenas consciência. Reintroduzir, pouco a pouco, a fricção saudável: ler algo mais longo, assistir a um filme sem o celular ao lado, perguntar “será?” antes de compartilhar um vídeo, aprender a usar as ferramentas básicas da vida digital contemporânea.
A tecnologia deveria ampliar nossos horizontes e não os encolher. O futuro não pertence aos mais rápidos, mas aos mais atentos. E atenção, hoje, é quase um ato de rebeldia.
E, no final das contas, você sabe quem ganha com essa preguiça coletiva?