O andar encurvado, de passos lentos e cuidadosos, com o olhar atento ao solo irregular, ora de chão batido, ora de pedras traiçoeiras, o mantinha caminhando para frente. As marcas do tempo eram visíveis na pele do octagenário, mas os ternos olhos azuis ainda mantinham o mesmo brilho e pureza de alma do menino da roça, que precisava caminhar quilômetros para ir e vir da escola rural de Jaguari, no extremo Sul do Brasil.
Enquanto ia seguindo por uma antiga trilha, o idoso ficava recordando dos tempos de meninice, da mesa farta e dos nove irmãos, daqueles que se foram e dos que ainda ocupam o mundo dos vivos.
Lembra do pai João, homem severo e de poucas palavras, sempre tão focado na lida, no cuidado com as plantações e os animais. E da mãe Angela, a primeira a acordar e a última a dormir, da vida sacrificada e sem luxos que ela levou para criar os dez filhos… Também lembrou do nono Luigi, o imigrante, que nunca deixou de pensar na terra que deixou para trás…
Determinado a resgatar o passado e a reforçar os laços com a família, tão numerosa, ele visitou um a um. Percorreu os parreirais, provou as uvas suculentas, sentou à sombra das árvores, respirou o ar puro do campo, contou e ouviu “causos”, reviu os sobrinhos, os sobrinhos netos…
Em cada recanto revisitado, buscava imagens na memória, comparava o antes com o agora, as dificuldades de ontem com as facilidades de hoje. Ah, como era diferente no tempo em que deixou tudo para trás, aos 20 anos de idade, em busca de novas oportunidades na capital! Era tão jovem e confiante!
E nesses dias ele tinha um encontro marcado que não podia adiar mais… A mesma terra fértil, de onde muitos ainda tiram o sustento, mas tanta coisa mudou!
Numa das caminhadas decidiu reverenciar os antepassados. No cemitério, orou no túmulo do avô e dos pais, para que seguissem descansando em paz. Na cidade vizinha à Jaguari, 16 de Novembro, foi recebido com festa. Jogou cartas e conversa fora, se permitiu sorrir, depois de meses de tímidos sorrisos e semblante triste. Estava finalmente superando a ilha de solidão onde tinha se isolado. Estava tocando a vida…
Ao reencontrar Maria, a irmã mais velha, a segurou com ambas as mãos e se emocionou. Ela o havia reconhecido! Ficou por vários minutos ali, como a compensar os anos que não conseguiu revê-la. Um momento único que procurou aproveitar ao máximo. Ficou se perguntando se teria outra oportunidade como aquela, de voltar novamente a ver a irmã que ajudou a criá-lo… Sentiu que aquele instante era para guardar no coração. Já haviam se passado alguns dias e estava na hora de voltar para casa. Era a hora das despedidas…
No retorno, ao abrir a porta do apartamento, soube que resgatou um pedaço doce da existência e se sentiu feliz. Quem o conhece, sabe que sempre levou uma vida regrada, valorizando as coisas simples e as pequenas alegrias. Certa vez, em algum lugar uma frase atribuída a um russo célebre: “A verdadeira felicidade está na própria casa, entre as alegrias da família”. Concordo. Saudades, pai Almerindo!