
O menino do cupcake
Colunistas
sábado, 04:00 - 21/05/2016

Isso aconteceu há alguns anos, quando eu ainda trabalhava no comércio com minha esposa.
Era uma tarde bem fria e chuvosa, não lembro o mês, mas ainda não era inverno. Era um dia atípico, um dia gelado e molhado que tinha pegado muita gente desprevenida. Eu estava sozinho na loja e, justamente por conta do clima anormal, quase não apareciam clientes.
Por volta das quatro da tarde, o dia já estava escuro e coberto por uma garoa muito fina, quase uma névoa, quando um garoto entrou na loja, vendendo cupcakes. Por fome e para ajudar, comprei um.
- Quanto é?
- Dois.
- Tó. Obrigado.
- Moço, posso esperar um pouco aqui? Minha mão já tá dura de frio e minha roupa está bem molhada.
- Pois é. Complicado sair pra vender num dia desses, sem guarda-chuva ou uma luva ao menos...
- Mas eu tenho que ajudar a minha mãe. A gente não tem muita escolha. Tenho que ir. A caixa ainda está quase cheia...
- Poxa, boa sorte... Quando passar por aqui, pode parar e oferecer cupcake pra gente.
O menino se foi, mas ficou na minha cabeça. A cena toda, o frio que ele estava sentido, a obrigação que tinha e não podia deixar a peteca cair. E o que se pode fazer? O que eu poderia fazer? Não podia comprar todos os cupcakes, todos os dias, nem dar emprego para o menino. Mas, quando ele apareceu novamente, tinha uma coisa que eu pude dar a ele: um livro.
Não era um livro de literatura, era um livro de exemplos de pessoas que estavam em situações difíceis e conseguiam “dar a volta por cima”. Depois disso, o vi mais uma ou duas vezes, então saí da loja e segui com outros afazeres. Alguns meses depois, enquanto eu estava na Feira do Livro, minha esposa comenta que o garoto tinha ido à loja para falar comigo. Ele havia lido o livro e queria me agradecer. Sandra explicou que eu não estava mais na loja, mas poderia ser encontrado na Feira do Livro. De fato, ele foi até a feira, porém, não me reconheceu. Eu fiquei observando-o, sem falar com ele, e o vi comprando outro livro (de literatura, dessa vez). Aquilo foi como uma recompensa e tanto para mim. Aquela cena, de repente, era a justificativa para todo esse processo duro e incompreensível pelo qual passamos e não sabemos responder, sobre qual o motivo disso tudo. De escrever, de lutar pelo livro, de tentar levar leitura por aí. Para mim, aquilo foi uma grande lição, além de ter sido um baita fechamento de ciclo com o tal garoto.
Estava de bom tamanho. Porém... essa semana, durante em evento literário numa biblioteca de um colégio aqui na cidade, quem eu encontro? Machado de Assis! Não. O menino do cupcake. Mas, ele não estava simplesmente lendo ou pegando um livro emprestado. O garoto estava atrás do balcão, trabalhando no meio de um monte de livros. Ele não me reconheceu. Mas eu, certamente, nunca o esquecerei. E, uma coisa é certa: Com MinC ou sem MinC, tenho motivos para continuar por muito tempo nesse caminho que, muitas vezes, é pouco compreendido.

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