No último domingo, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu levar às ùltimas consequências a sua guerra contra a liberdade de expressão: o ministro determinou a abertura de uma investigação contra o empresário bilionário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), pelos crimes de obstrução da justiça, organização criminosa e incitação ao crime.
A decisão veio após Elon Musk criticar duramente o ministro durante o fim de semana. O empresário chegou até mesmo a ameaçar descumprir decisões judiciais do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que determinavam a exclusão de contas e conteúdos do X. Mas há, de fato, indícios de crimes cometidos por Elon Musk que justifiquem a decisão de Moraes? Quais crimes seriam esses?
Segundo a imprensa, o X ainda não reativou as contas ou os conteúdos removidos por decisão judicial, como Musk ameaçou fazer. Ameaçar descumprir decisão judicial não é crime. Então, a decisão já começa precipitada. Contudo, caso Musk cumpra o que prometeu e reative as contas removidas pelo ministro Alexandre de Moraes, ele estará cometendo crimes? Em caso positivo, quais?
O primeiro crime que poderia ser cogitado seria o de desobediência. Contudo, segundo o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o crime de desobediência só existe caso não haja outras punições cabíveis para o descumprimento da decisão judicial, como uma multa, por exemplo. Considerando que o ministro definiu uma multa diária de R$ 100 mil para a desobediência, Musk não poderá ser enquadrado nesse crime – que, aliás, tem pena baixíssima e não enseja em geral denúncia ou condenação, mas transação penal.
O ministro aventou, na sua decisão, a prática do crime de incitação ao crime. Contudo, não há nada nas falas do bilionário que seja um estímulo verbal à prática de crimes. Se Moraes está se referindo à desobediência à ordem judicial, não se trata de incitação de terceiros a praticar um crime, mas da possível autoria ou participação dele mesmo na prática de um crime – isso se é que houver algum crime, que é exatamente o que estamos debatendo aqui.
Algo diferente seria cogitar que o empresário estaria participando de crimes alheios, que serão praticados por usuários do X, ao propiciar a eles condições de praticá-los, reativando suas contas na plataforma, como aquele que fornece ao assassino a arma do crime. Contudo, quem fornece uma arma só é responsável pelo crime caso saiba que a pessoa que a recebe irá utilizá-la em crimes.
Além disso, segundo o Marco Civil da Internet, lei brasileira que regula o assunto, a rede social só pode ser responsabilizada caso se omita após receber uma ordem judicial específica para retirar determinado conteúdo. Ela não tem como adivinhar o que cada um postará nem é onisciente.
Por essa mesma razão, ao reativar as contas de usuários banidos e seus posts, caso Musk restabeleça conteúdos criminosos, cuja exibição online configure um crime permanente (um xingamento, por exemplo, num tuíte), o bilionário so poderá ser responsabilizado se já tiver sido recebida no passado uma ordem específica para retirar aquele conteúdo.
E os crimes de obstrução de justiça e de organização criminosa, mencionados por Moraes em sua decisão? Aqui a decisão força a barra totalmente. Descola-se da realidade. Para esses crimes serem cogitados, Moraes teria que apresentar indícios de que o empresário integra alguma organização criminosa. Não indicou nada de concreto nesse sentido.
Não há, então, até agora, indícios concretos de crimes, nem parece que haverá se Musk avançar para desobedecer à ordem. Contudo, há um problema maior na decisão: o ministro determinou a inclusão de Elon Musk no inquérito das milícias digitais por ele ser “dono e CEO” do X, “em face do cargo ocupado”. Acontece que a CEO do X é a executiva de mídia Linda Yaccarino, e não Musk, que é apenas o dono da plataforma – ou seja, é quem possui o controle acionário da empresa.
Além desse erro grotesco de Moraes sobre a autoria ou responsabilidade por eventuais fatos, há aqui outro fator que se repete em todos os demais casos tocados pelo ministro: Elon Musk não tem foro privilegiado perante o Supremo, que não tem competência para processar e julgar qualquer processo contra Musk.
Quando há desobediência a ordens judiciais em investigações e processos criminais, o fato é em geral tratado como um crime independente, que é sujeito a distribuição perante um novo juiz. Nesse caso, seria um juiz de primeira instância. Moraes, mais uma vez, está forçando a barra para estabelecer uma competência que não existe.
É mais do mesmo: Alexandre de Moraes praticando abusos, ilegalidades e autoritarismos contra quem ele próprio considera uma “ameaça” à democracia, quando a maior ameaça à democracia brasileira de todas está, unicamente, no espelho do ministro. Ao que parece, o único crime de Elon Musk foi desafiar Alexandre de Moraes.