No mesmo dia em que o chaveiro conhecido como Tiu França cometeu suicídio em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), explodindo-se com fogos de artifício, uma reunião secreta ocorria em Brasília. O evento teria permanecido oculto da imprensa e da opinião pública, não fosse o trágico incidente daquela noite. A reunião aconteceu no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República.
Participaram do encontro: Lula, os ministros do STF Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin, o procurador-geral da República (PGR) Paulo Gonet e o diretor-geral da Polícia Federal (PF) Andrei Rodrigues. Auxiliares de Lula, ouvidos pela Folha de S. Paulo, afirmaram que o objetivo da reunião era realizar uma “avaliação de cenário”. Contudo, o encontro não constava na agenda oficial de nenhuma das altas autoridades presentes, em flagrante descumprimento da lei. As reuniões são frequentes, segundo a reportagem.
Reuniões secretas são normais? Não são, ou pelo menos não deveriam ser. Nos Estados Unidos, juízes da Suprema Corte não participam de reuniões de governo na Casa Branca nem comparecem a encontros ou jantares fora da agenda oficial. O único caso conhecido envolveu o juiz Abe Fortas, que mantinha uma relação próxima com Lyndon B. Johnson, presidente que o indicou. Fortas participava de reuniões na Casa Branca e informava o presidente sobre deliberações internas da Corte. Quando a imprensa descobriu que ele foi pago para dar um seminário com dinheiro de um ex-cliente de seus anos de advogado, que era investigado por irregularidades na bolsa de valores, o escândalo resultou em uma crise que o obrigou a renunciar ao cargo em 1969.
O encontro no Brasil também deveria ser um escândalo. Não se trata de um encontro oficial em eventos ou solenidades em Brasília. Não se trata também de um encontro com pauta definida, pública e transparente. Trata-se de um encontro às escondidas. E qual o assunto? O motivo declarado do encontro seria uma “avaliação de cenário”. Que cenário? Mudanças no Corinthians, time de coração de Lula? A final da Libertadores da América em Buenos Aires? É óbvio que não: o cenário discutido era claramente político. E o que ministros do STF têm a ver com avaliações políticas? Nada, ou pelo menos não deveriam ter.
Além disso, se alguém quer uma boa avaliação de cenário político, lê ou ouve a análise de um comentarista político, de um jornalista, de um cientista político, mas é evidente que não se trata disso. Ali estavam juízes que vão decidir investigações e processos. Avaliar cenários junto a eles significa basicamente pedir para anteciparem resultados dos julgamentos, prováveis votos ou suas tendências. Se a pauta real do encontro não é declarada, só nos cabe especular.
A Folha de São Paulo, veículo de esquerda, fez a sua própria especulação, sugerindo que o encontro discutiu os casos criminais contra Bolsonaro. E essa especulação faz todo sentido. A única razão para haver ministros do STF na “avaliação de cenário” é discutir casos em julgamento na Corte, e aqueles envolvendo Bolsonaro são hoje centrais. Além disso, a reunião foi composta pelo principal adversário político de Bolsonaro, pelo chefe da polícia que conduz as investigações, pelo procurador, responsável por apresentar a denúncia e pelos juízes que irão julgar o caso, incluindo o próprio relator.
De fato, é notório que Lula é o principal adversário político de Jair Bolsonaro, investigado em inúmeros inquéritos no STF, todos relatados por Alexandre de Moraes, também presente na reunião. Em algumas dessas investigações, como as da fraude no cartão de vacinas e das joias sauditas, Bolsonaro já foi indiciado pela Polícia Federal, liderada por Andrei Rodrigues, outro participante do encontro. Gilmar Mendes e Cristiano Zanin são dois dos juízes que deverão julgar Bolsonaro no Supremo, enquanto Paulo Gonet decidirá se apresentará denúncia contra o ex-presidente nos casos em que ele é investigado.
O quadro que emerge é de total contaminação política do STF e dos seus julgamentos criminais, especialmente os envolvendo Jair Bolsonaro. A Suprema Corte se comporta como quem está numa explícita lua de mel com o governo Lula, com ministros participando de conversas políticas com o presidente da República, principal interessado na condenação de Bolsonaro e na sua retirada da vida pública. O Código de Ética da Magistratura proíbe juízes de exercerem atividades político-partidárias, mas isso não parece ser suficiente para impedir Moraes, Zanin e Mendes de agirem conforme querem. A vontade suprema não se submete à lei.
A imparcialidade judicial tem dois aspectos. O primeiro é a isenção do juiz. O segundo é a percepção pública da isenção judicial. A regra da imparcialidade protege não só o resultado do julgamento, mas também a imagem do Judiciário que, por aqui, vem sendo violentada dia sim, dia também, por abusos praticados pela corte nas investigações e processos contra Bolsonaro e a direita. É urgente que esses casos sejam reavaliados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e as chances disso acontecer aumentaram muito com a eleição do Trump. Isso porque se formos esperar que a mídia e o STF reconheçam o escândalo dessa reunião estaremos, sem dúvidas, esperando pelo dia de São Nunca.