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‘In dubio pro Moraes’: a agressão em Roma – Deltan Dallagnol

Por: Deltan Dallagnol

05/06/2024 - 06:06

 

Em 16 de fevereiro de 2024, a Polícia Federal (PF) publicou o relatório final da investigação sobre as supostas agressões ao ministro Alexandre de Moraes e sua família no aeroporto de Roma, que teriam sido vítimas da família Mantovani. O relatório concluiu que um dos investigados cometeu injúria real contra o filho do ministro, mas acabou não indiciando ninguém por duas razões: o crime de injúria é de menor potencial ofensivo e o caso ocorreu no exterior. Na época, a imprensa revelou que o relatório irritou profundamente o ministro Alexandre de Moraes.

Eis que, nesta segunda-feira (03), um outro delegado publicou um novo relatório, desta vez indiciando todos os membros da família Mantovani pelo crime de calúnia, o mais grave dentre os crimes contra a honra, com pena de até 2 anos e 8 meses por conta de uma causa de aumento da pena. O caso foi encaminhado a um novo delegado porque o primeiro relatório não foi aceito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pelo ministro Dias Toffoli, relator do caso. Agora, o delegado Thiago Severo de Rezende diz que, embora as imagens do aeroporto de Roma não tenham áudio, a versão dada por Moraes e sua família “é, sem sombra de dúvidas, aquela que deve prevalecer”.

No Direito Penal, temos a regra “in dubio pro reo”, que em latim significa “na dúvida, a favor do réu”, que vale no momento da sentença. No momento da acusação, vale outra regra, o “in dubio pro societate”, que quer dizer que a dúvida favorece a acusação. Contudo, esta última regra só se aplica quando há uma hipótese provável, mas existe uma dúvida. Essa regra de avançar na acusação mesmo diante de dúvida não se aplica quando há conflito de versões, como numa briga de vizinhos. Existe aí a versão de um contra a do outro. Para que o sistema penal tome partido, é preciso haver uma prova segura, que não parece existir.

De fato, o delegado fez uma interpretação perigosa das provas, afirmando que a PF encontrou mensagens no celular de um dos investigados com críticas ao ministro Alexandre de Moraes, o que, segundo o delegado, seria condizente “com as palavras atribuídas a ele e sua família no aeroporto”. Em outras palavras, o delegado afirma que a prova da calúnia no aeroporto são as críticas feitas contra o ministro, anteriormente ao evento do aeroporto, em mensagens privadas de WhatsApp, e que essas mensagens provam ainda a calúnia dos demais investigados. Segundo essa lógica, metade do Brasil, que já criticou Moraes em mensagens privadas, poderia ser acusada de crimes com base simplesmente na alegação de Moraes de que foi supostamente injuriado ou caluniado.

É como se você, leitor, se envolvesse em uma briga de trânsito com uma autoridade, e a polícia te indiciasse por crimes porque acharam em seu celular mensagens antigas em que você criticou aquela mesma autoridade. Para completar, a polícia indicia ainda sua esposa, que te acompanhava no carro, em razão de mensagens críticas que você enviou no passado. Sob essa lógica, mais uma vez, praticamente todo brasileiro poderia ser enquadrado no crime de calúnia em razão de críticas legítimas que fez contra algum político ou autoridade. O entendimento é perigosíssimo.

Logo depois da notícia de que a PF havia voltado atrás e indiciado a família Mantovani, o jornalista Claudio Dantas revelou no X (antigo Twitter) que o delegado Thiago Severo de Rezende foi promovido a oficial de ligação junto a Europol, em Haia, na Holanda. É isto mesmo que você leu: o delegado que mudou a conclusão do caso do aeroporto de Roma para fazer prevalecer a versão do ministro Alexandre de Moraes foi agraciado com um cargo na Europa, ganhando em euro e com recebimento de gratificação pela mudança com a família.

Mera coincidência? Alinhamento com a chefia da PF? Mérito pessoal? Foi premiado pelo que fez? Combinou-se uma coisa pela outra? A não ser que surjam provas, jamais saberemos de fato o que aconteceu, mas, se fossemos seguir a mesma lógica que a PF usou contra os Mantovani, é provável que Moraes e o delegado fossem acusados de ter feito algo errado por conta da mudança da versão da PF.

De toda forma, uma coisa é certa: ser amigo dos donos do poder nunca prejudicou ninguém no Brasil. A única coisa que prejudica alguém no Brasil é ser de direita ou bolsonarista, fazer piada de festa junina, criticar ministros do Supremo e outras autoridades, combater a corrupção e colocar corruptos poderosos na cadeia. A pena para tudo isso é prisão, cassação, bloqueio de redes sociais e assassinato da persona digital. O sistema é bruto. E, agora, existe uma nova regra em vigor: “in dubio pro Moraes”: na dúvida, a favor de Alexandre de Moraes.

 

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