Hiperconexão: Mais Amigos, Menos Afeto

Foto: Freepik

Por: Raphael Rocha Lopes

18/06/2024 - 14:06 - Atualizada em: 18/06/2024 - 16:10

“♫ Quero levar o meu canto amigo/ A qualquer amigo que precisar/ Eu quero ter um milhão de amigos/ E bem mais forte poder cantar” (Eu quero apenas; Roberto Carlos).

É do espírito da tecnologia dar mais tempo às pessoas. Máquinas são construídas, desde sempre, desde a invenção da roda, para facilitar a vida do ser humano, diminuir o tempo de trabalho e, consequentemente, disponibilizar mais espaço ao lazer e à cultura. Deveria ser do espírito da tecnologia.

É quase bizarro pensar nisso hoje em dia, com os celulares como uma extensão do corpo para a maior parte dos adultos e adolescentes. Aplicativos de e-mails e mensagens não deixam ninguém sossegado e exigem uma disciplina para que não determinem os horários e a própria vida das pessoas.

Por outro lado, as redes sociais aproximaram, de alguma forma, as pessoas. Hoje quase todo mundo tem centenas ou milhares ou milhões de amigos. Igual na música do Roberto Carlos, quem diria?

Carente com milhão de amigos

Muita gente tem chegado em casa sem conseguir se desgrudar de seus smartphones. É rede social para todo tipo de gosto. Do quase anacrônico Facebook, cuja faixa etária dos usuários cresce a cada dia, ao fantástico mundo de Bobby, digo, do Instagram, onde todas as coisas instagramáveis da face da terra acontecem, dos locais paradisíacos aos pratos de comida inacreditáveis, onde todas as pessoas são felizes, onde tudo é lindo.

Dá para passear tanto pelo mundo amoroso dos aplicativos de encontros, já segmentados pelas afinidades sexuais dos usuários, quanto pelo mundo do ódio do X, lugar em que todo mundo tem razão e ninguém se entende, a não ser que estejam na mesma bolha. Claro que há coisas boas, como reencontrar amigos depois de anos ou décadas.

Mas essa conexão contínua e da rolagem infinita (o maior instrumento de criação de vícios depois do cigarro, e que, não muito distante, vai se mostrar ainda mais danoso – anotem isso), de milhares de amigos, tem afastado, por incrível que pareça, os mais próximos.

Pais dos filhos, maridos das mulheres, famílias. Muitos fatores podem justificar o aumento de divórcios ou a redução do tempo dos casamentos. Pressões profissionais e sociais. Acredito, porém, que uma parcela de culpa importante é das redes sociais. Seja pelas traições online, seja pela simples ausência de conversa e de comprometimento entre o casal, vidrado nas telinhas em suas mãos, onde tudo parece melhor e mais feliz.

Nesta esteira, seguem os filhos. Se o casal não se dá bola, abduzido pela luz azul, também não dá para os filhos, que estão crescendo achando isso normal. Família sem conexão sentimental, sem abraços, sem gargalhadas, sem brincadeiras no chão da sala ou do quarto. Essas crianças sem conexão afetiva serão os próximos pais, professores, empregados e donos de empresas.

Será um mundo ainda mais hiperconectado de pessoas sem conexão alguma!

A carência, o novo pré-requisito dos golpes.

Sempre que falei de golpes na internet, trouxe duas características dominantes das vítimas: ganância ou ingenuidade (especialmente dos idosos). Conversando com minha mulher, chegamos a uma terceira: carência.

Deparo-me constantemente, no escritório, seja pelas vítimas ou por colegas advogados em busca de alternativas, com golpes na internet. E, de fato, ganância e ingenuidade estão começando a perder espaço para a carência. Como assim, Raphael?

Na ausência de relações afetivas, de conexões presenciais com os próximos, as pessoas estão, muitas vezes sem perceber, tornando-se cada vez mais carentes das necessidades básicas de carinho, conversa, contato físico, olhos nos olhos (sem duas telas no meio), sorrisos comprometidos.

Essa carência leva-as às redes sociais. E, nas redes sociais, como todos já sabemos, estão os espertalhões de sempre, aprendendo todos os dias a lesar as vítimas. Quem mais fácil de enganar? Quem está carente. A esposa esquecida, o ex-namorado, o desempregado desesperado, os filhos de pais afetivamente ausentes (e para esses os riscos não são os financeiros).

Na realidade, as pessoas deveriam se concentrar em outro trecho da música tema de hoje: “Eu quero crer na paz do futuro, Eu quero ter um quintal sem muro, Quero meu filho pisando firme, Cantando alto, sorrindo livre” substituindo “meu filho” por qualquer pessoa que se ame. Sem smartphones, a não se que seja a única forma possível de contato.

 

 

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Raphael Rocha Lopes

Advogado, autor, professor e palestrante focado na transformação digital da sociedade. Especializado em Direito Civil e atuante no Direito Digital e Empresarial, Raphael Rocha Lopes versa sobre as consequências da transformação digital no comportamento da sociedade e no direito digital. É professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Católica Santa Catarina e membro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.