Como sempre digo, “orgulhosamente”, eu nasci a 100 passos da Catedral Metropolitana de Florianópolis, na Rua Fernando Machado, nº 22. Vivi neste “pedacinho de terra perdido no mar” até os 22 anos, quando parti para a Alemanha, bem longe do mar. Passo seguinte, continuei morando no interior, por quase 46 anos, em Jaraguá do Sul/SC e, desde outubro de 2024, de volta ao litoral, resido em Barra Velha/SC.
Como Consultor Empresarial Familiar, embora morando “com o pé na areia” (moderno mote de corretores de imóveis), vivo – por ter, felizmente, muito trabalho – como que no interior, longe da praia e imerso em ambientes internos.
Jaraguá do Sul no interior e Barra Velha na costa atlântica diferenciam-se, principalmente, pela sua “vocação” econômica, a primeira eminentemente industrial e a segunda turística, comercial e de serviços. E esta diferença, ecoada em estilos de vida, “como que da água para o vinho”, abrange, também, líderes empresariais, até associativistas. Sim, em Barra Velha, quase nada é “para ontem ou hoje”, como em Jaraguá do Sul, quase tudo é “para amanhã, depois ou quando der”. E compromissos agendados, são, de uma hora para outra, desmarcados, na “maior cara de pau”…
Isso reforça a minha impressão de uma preguiça natural nas cidades costeiras, uma lentidão que não se explica, mas se sente. Será que o ar salgado e a mão invisível do vento que desarruma os cabelos desorganizam também a pressa ?!? Será que há uma espécie de pacto tácito entre o mar e o homem: “eu te mostro o horizonte todos os dias, mas, em troca, tu desacelera”?!? Será que viver perto da água é um lembrete diário de que o mundo é vasto demais para caber nas metas do calendário?!?
Enquanto isso, o homem do interior, longe do mar, acorda antes do sol, vai ao campo, para plantar ou colher, ou ao ambiente empresarial, para erguer e produzir, sem o horizonte líquido para distraí-lo… só terra, e a terra cobrando.
Essa diferença entre litoral e interior, entre o mar e a poeira, entre o sal e o suor, é antiga, digamos, civilizacional. Desde as primeiras aldeias humanas, o mar esteve associado ao lazer, à incerteza e ao comércio, enquanto o interior como símbolo de trabalho, cultivo, permanência.
O litoral seduz, o sertão disciplina. Talvez por isso, no imaginário popular – e até nas estatísticas econômicas – as populações costeiras pareçam mais propensas ao ócio, contemplação e vida “boa”, enquanto as do interior carregam a reputação de serem laboriosas, persistentes, duras.
Mas a verdade, como sempre, é mais sinuosa do que os clichês permitem. O que se chama de preguiça pode ser apenas outra forma de inteligência – uma adaptação estética ao ambiente. Talvez o homem do litoral tenha aprendido, por convivência com o imprevisível mar, que não se pode lutar contra o incontrolável, ou seja, que trabalhar, às vezes, parece como “remar contra a maré”.
Será que essa suavidade marinha explica o fato de que as cidades mais desenvolvidas do mundo não ficam à beira-mar? Paris não tem praia. Berlim é interior. Chicago, interior profundo. Moscou, longe do litoral. Mesmo Nova York, embora costeira, olha mais para dentro do continente do que para o Atlântico. E São Paulo, motor econômico do Brasil, nasceu do afastamento estratégico do mar – para fugir dos piratas, dizem os historiadores; mas talvez, também, para fugir da tentação do descanso.
No entanto, foi à beira-mar que nasceu o pensamento filosófico. Por exemplo, os gregos, os fenícios e os egípcios, todos eles viviam próximos às ondas. Em resumo, o mar pode ter sido o berço filosófico, mas o desenvolvimento contínuo é filho da terra firme. Ou seja, o mar inspira, mas não sustenta; ele desperta o gênio, mas é o interior que fabrica a rotina.
Por fim, uma provocante e interrogativa dicotomia: o interior é o palco da ação e o litoral, o camarote da contemplação?!?