O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi a estrela das minhas duas últimas colunas, em que analisei entrevistas recentes do ministro para o Estadão e para a Globo News. Nas duas entrevistas, o ministro comentou de forma indevida a investigação em trâmite no STF contra Bolsonaro por uma suposta tentativa de golpe, afirmando que Bolsonaro saiu de “possível autor intelectual para pretenso autor material dos crimes”, que existem elementos “severos que indicam intuitos golpistas” e rejeitando categoricamente qualquer tipo de anistia para os réus do 8 de janeiro.
Nesta semana, as redes sociais descobriram uma outra entrevista, dada por Gilmar Mendes apenas 10 dias depois do 8 de janeiro de 2022 para uma TV portuguesa, que contradiz frontalmente as declarações mais recentes do ministro, que só falta ler seu voto ao vivo para condenar Bolsonaro toda vez que aparece na frente de uma câmera de televisão. Enquanto Gilmar agora diz com toda a certeza do mundo que sofremos uma tentativa de golpe, em 2022, para a TV portuguesa, o ministro fez uma análise totalmente diferente: para ele, o quebra-quebra na Praça dos Três Poderes não poderia ser classificado como “golpe”.
“Certamente não houve, de forma muito clara, não se pode dizer [que houve] uma tentativa de golpe, não houve quem quisesse assumir o Poder. Ocuparam o Supremo Tribunal Federal, ocuparam o Palácio do Planalto e ocuparam parte do Legislativo. Em seguida, as forças policiais atuaram e esses Palácios foram esvaziados, mas de qualquer forma causaram um imenso tumulto como nós estamos a ver e estamos a discutir inclusive no exterior”, disse o Gilmar do passado, que mudou de opinião tão rapidamente quanto mudou de opinião sobre a Lava Jato anos atrás, após sair de um apoiador da operação para se tornar o seu mais feroz crítico.
O que o Gilmar do passado diria do Gilmar do futuro? Para nós, cidadãos, que somos obrigados a ver Gilmar todos os dias dando entrevistas em nossas televisões, em que Gilmar devemos confiar? Em qual acreditar? No do passado, que disse que não houve tentativa de golpe, ou no do futuro, que tem tanta certeza de que Bolsonaro quase deu um golpe de Estado? Como confiar que Gilmar tem e terá isenção para julgar esse caso, sobre o qual ele deu duas opiniões tão extremas e tão radicalmente distantes e diferentes entre si?
A resposta é que é impossível confiar, claro, porque Gilmar é um ministro que confessa abertamente fazer “leitura política” dos casos do Supremo e alterar seu voto ao sabor dos ventos, como fez recentemente também em outra entrevista, desta vez ao Valor Econômico. O falastrão Gilmar é um exemplo perfeito do porquê a lei brasileira e os princípios mais básicos da ética judicial proíbem os juízes de se manifestarem fora dos autos e de falarem sobre casos que eles ainda vão julgar, antecipando suas opiniões. Gilmar agora tem duas opiniões conflitantes correndo na imprensa e nas redes sociais, e não podemos descartar que logo ele tenha uma terceira, se sua “leitura política” dos fatos mudar.
O ministro Gilmar pode até alegar, em sua defesa, que quando disse não ter havido uma tentativa de golpe ele não tinha ainda acesso a todas as provas que hoje já se conhecem. O problema disso é que complica ainda mais a sua situação, já que mostra que ele falou de forma indevida e inadequada, sem saber todos os fatos, sem ter conhecimento das provas e sem sequer ter ouvido as defesas e álibis que os investigados têm a apresentar. Gilmar é o exemplo mais concreto e mais perfeito de tudo o que um juiz não pode e não deve ser.