No dia 15 de fevereiro, Paul Stenson, proprietário do White Moose Café em Dublin fez uma postagem em sua página no Facebook. Algo que julgava um “causo” cômico e que atingiu proporções descomunais. Relatava a cômica situação de um candidato a uma posição na cozinha do Café, que confundia as palavras “Kitchen” (cozinha) e “Chicken” (Frango). O rapaz era brasileiro.
Bastou esse detalhe para que hordas de brasileiros enfurecidos com esse ato de “xenofobia” passassem a avaliar negativamente o estabelecimento, ameaçar o proprietário e insultar irlandeses. A cada escalação das agressões, o proprietário do estabelecimento retrucava com piadas sobre brasileiros; após a exposição de seus dados pessoais, estas atingiram o nível da xenofobia – e passaram a ser usadas como justificativa para as ameaças.
Por si só a situação já seria ridícula, uma onda de cyberataques causadas por relatar um erro cômico. Mas há um nível adicional de hipocrisia nessa história. Um detalhe cultural muito simples: brasileiros não se acanham em zombar dos erros linguísticos de estrangeiros. Do contrário, poucos veem o problema em escarnecer a pronúncia de imigrantes chineses com “flango”, nas piadas ridicularizando o padrão de nomes de imigrantes japoneses, ou com a dificuldade de germânicos com o gênero de substantivos. Como nação, rimos da maneira de estrangeiros se vestir, de turistas se arrastando no português, ou não entendendo nossas pífias tentativas de cardápios bilíngues (também escarnecidas por nós mesmos).
Zombamos, mas não aceitamos ser zombados. O espetáculo visto com o White Moose Café não é novo. Foi assistido quando Os Simpsons tiveram um episódio no Brasil, com o mesmo nível de escárnio com o qual tratam os EUA. Foi repetido quando a Fox produziu um filme B passado no país, “Turistas”, que trata o país com a mesma dignidade que Texas Chainsaw Massacre trata o Texas. Uma dupla de humoristas faz um vídeo rindo do comportamento de turistas brasileiros na Disney, e a Internet entra em polvorosa. Nos revoltamos e fazemos escândalo com obras de ficção e com piadas. Com o café que oferece um delicioso sanduíche de cozinha, feito na sua galinha.
Mas quando se trata da verdadeira zombaria, nos círculos da diplomacia e do direito internacional, nos calamos. Quando Israel afirmou que o Brasil era “um anão diplomático” e insinuou que nunca tivemos importância internacional, ao invés de protestar, muitos internautas internalizaram o insulto. Quando somos tratados pela imprensa internacional como nada além de praias e bundas, nos calamos. Quando um canal humorístico chinês faz um vídeo escarnecendo as condições de higiene do país, ao invés de tratar como a piada que é (ainda mais vindo da china), compartilhamos indignados com a situação do país – e não com como somos vistos. Forjamos capas de revistas estrangeiras falando mal do Brasil, mas rir de um erro honestamente hilário é a gota d’água. A incoerência brasileira quanto ao humor zombeteiro já foi alvo de comerciais… e ao invés de perceber o problema, muitos tomaram a contradição como sinal de orgulho. “Zombamos de todo mundo, mas não deixamos ninguém nos zombar”.
E há também um que de prepotência: o principal argumento usado para atacar Stenson? “Me diz se tu sabe falar português”. Ao contrário do rapaz que cometeu o engano (hilário), Stenson não está procurando emprego no Brasil, ou em qualquer outro país de língua portuguesa. Não há de parte dele qualquer obrigação em saber português. Mas para muitos dos internautas revoltados, não há do candidato a trabalhar na Irlanda a obrigação de falar inglês. Esperar isso, alegam, é “elitismo” e “xenofobia”. Sugerem que brasileiros procurando emprego no exterior gritem “não sou obrigado” quando lhe perguntarem em qualquer idioma que não o português. Sem saber que elitismo e xenofobia é isso: esperar que estrangeiros em seu próprio país curvem-se aos seus desejos e falem a sua língua.
Stenson é um polemicista por natureza. Fez dos cyberataques a seu café uma fonte de propaganda gratuita, mantida pelo desejo compulsivo de internautas em se sentirem ofendidos e para isso manteve na provocação, rindo da incapacidade dos brasileiros furiosos de lhe tirarem do sério. Ironicamente, seu comportamento lembra o de um proprietário de bar idolatrado por muitos internautas pela mesma zombaria: Luizinho Capelão, de Viçosa. Assim como Stenson, Capelão se regojiza na controvérsia. Mas onde o irlandês passou a zombar como resposta a fúria causada por uma piada, Capelão deliberadamente insulta a tudo e a todos – incluindo seus clientes.
E aí eu me pergunto: como que um vira herói e “mito” na internet, e o outro se vê alvo de ameaças de morte? Há quem alegue que a postagem original de Stenson, e todas as outras piadas com “chicken” e “kitchen”, seja xenofobia por desdenhar do sotaque brasileiro. Só dois problemas: esse engano não é inerente ao sotaque brasileiro, é um engano, para o qual qualquer um faria força para não rir, como ririam se, aqui no Brasil, um candidato a cozinheiro confundisse “cozinha” e “coxinha”. O segundo, mais grave, é: usamos sem vergonha o padrão de fala de imigrantes chineses como sinônimo de produto falsificado. Diria eu que isso é mais xenófobo que rir de quem fala que adora trabalhar em uma galinha.