Era reunião de uma classe inteira. Todos preocupados, não apenas com a crise, mas também com a crescente concorrência que o setor vinha enfrentando. Atitudes precisavam ser tomadas. Ações, estratégias, iniciativas, qualquer coisa que trouxesse esperança para todos os membros desse segmento.
Assim, o seu líder sindical redigiu uma carta explanando a situação atual ao grupo, no intuito de motivar os iguais a ajudarem a encontrar uma saída digna ao todo:
“Caros colegas, companheiros de ofício. É delicada a nossa situação. Não é de hoje que o iminente perigo da extinção de nossa classe me assola. Não é brincadeira, nossa função está caindo em desuso por conta da crescente concorrência. A tecnologia, redenção para muitos, está em nosso encalço como um rolo compressor. E nós, infelizmente, temos limitações na questão de aprimoramento.
Nós, espelhos retrovisores centrais, ainda somos um item obrigatório nos automóveis. Porém, estamos virando item decorativo. Antigamente, além de servir como ponto de apoio, referência e ser os olhos na nuca dos motoristas, tínhamos grande participação nos sinaleiros. Cada parada tinha nossa participação. Aquela olhadinha para conferir o tatu do nariz, uma espinha ou alface no dente. Era nosso mercado consolidado e sem riscos.
Mais tarde, com o crescimento da participação feminina ao volante, acumulamos a função de servir de base para batom, sombra, blush, brinco, cabelo, conferir sinais de idade e checar, constantemente, os filhos no banco de trás dos automóveis. Um crescimento considerável.
Quem imaginaria que essa maré ia virar? Que os tempos de bonança chegariam ao fim? Mas, assim é a vida, meus companheiros. Novos hábitos geram novos produtos, novos segmentos e novas opções. E, claro, isso reduz o share da vanguarda. Nossa primeira ameaça veio dos espelhos do quebra-sol, otimizados com uma luz de apoio. O que nos tirou boa parcela das mulheres recém-conquistadas. E veja como são as coisas. As mesmas começaram a reclamar por conta dos faróis altos nos olhos refletidos por nós. Tentamos amenizar o problema com a instalação de um filtro verde. Mas, o rolo compressor continuou a girar em nossa direção e dois novos vilões surgiram: Sensor de estacionamento e câmera de ré.
Não vou negar. Muitos dos nossos caíram em depressão profunda. Alguns tentaram reagir aumentando sua área de visão. Mas, não deu muito certo. Afinal, depois que levaram o toalete para dentro de casa, quem ainda acharia melhor ir à casinha no meio da noite? Quem prova certos confortos não consegue regredir.
Agora, para piorar e acabar com o pouco de nossa funcionalidade extra, um legado de “prudentes motoristas” não deixa, uma vez sequer, de mexer no Whatsapp nas paradas em sinaleiros. Não tem jeito! Até sorriem quando o sinal fica vermelho. Freiam e já pegam o celular. E assim ficam até que alguém buzine para seguir.
Vamos nos mobilizar contra essa indústria tecnológica que invadiu os setores conservadores. Precisamos tomar alguma providência urgente. Senão acabaremos vendendo pano de prato no sinaleiro! (5 por 10 se alguém tiver interesse).”