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Discurso de Posse – Academia Desterrense de Literatura (ADELIT)

Por: Ana Kelly Borba da Silva Brustolin

23/02/2024 - 12:02 - Atualizada em: 23/02/2024 - 12:26

Excelentíssima Ex-Presidente, Senhora Vilca Marlene Merízio, e Presidente eleita, Eloah Westphalen Naschenweng, da Academia Desterrense de Literatura – ADELIT, prezados confrades e prezadas confreiras da ADELIT, prezados novos acadêmicos, José Geraldo Rodrigues de Menezes e Simone Guimarães, queridos familiares e amigos, boa tarde!

Era uma vez…

“Um pedacinho de terra perdido no mar”, o qual recebeu uma menina que amava estudar, ler, pintar, dançar, escrever e sonhar. Ela saiu do interior para estudar na capital catarinense, aos 17 anos, e cursar a faculdade de Letras na UFSC. As “poRtas” foram se abrindo na medida em que foi caminhando a passos miúdos e firmes… A princípio, recebeu risadas pela pronúncia do seu “porta” com “r” retroflexo e não um “r” fricativo, mas, aos poucos, por meio dos estudos linguísticos e do mestrado em sociolinguística foi entendendo que a língua constitui uma realidade heterogênea e que o português está sujeito a variações, como qualquer outra língua. Fato é que “a gente vareia” e essa diversidade e variação linguística é um prato cheio para quem é amante das palavras, assim como Carlos Drummond de Andrade, que elucida em seu poema “Aula de português”, sobre as “figuras de gramática, esquipáticas”. As possibilidades da língua(gem) e a percepção de que as línguas são vivas e dinâmicas e estão aí para serem usadas a nosso bel prazer encantou a menina.

Ela, formada e adulta, aos 21 anos, seguiu os passos da mãe, Inês, e foi desbravar o mundo da sala de aula. Conquistou amigos e experiências importantes e significativas, lecionando por 20 anos. Nesse meio tempo, casou-se com Edinando Brustolin e formou sua família. Seus filhos, Augusto e Maria Clara nasceram e, igualmente, fizeram-na renascer. Passaram, juntos, por muitos desafios, entre eles, um aborto, uma pandemia do coronavírus e a partida do seu pai, Adão. Ela se salvou com a arte, em meio às palavras. Escreveu. Lançou livros. Tornou-se colunista de um jornal. Promoveu palestras, cursos, lives, contações de histórias, o ateliê da escrita. Até que…

Em 2023, chegou mais um dia do professor e, antes mesmo de ele chegar, já havia postagens em redes sociais, exaltando a profissão “professor”. A professora de escola básica estava se sentindo estranha. Recebeu diversos “parabéns”, mas seu coração os rejeitava. É claro que os professores gostam de ser parabenizados, pois todos gostamos de reconhecimento – com aplausos, palavras, bons salários – no entanto não tem sido fácil exercer esta profissão (não é só missão ou vocação).

Nos últimos tempos, faltou à professora o romantismo e intensificou-se o realismo. Lembrou-se de Machado de Assis, em um trecho de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, onde lemos: “Botas… as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar.” Descalçou-se. Deu asas à imaginação… Concomitantemente, foi agraciada com o Prêmio “Melhor Professora de Redação – Florianópolis” (2021-2022), por votação popular. Ansiava por novos capítulos.

Deparou-se, então, com um texto chamado “A solidão amiga”, de Rubem Alves, no qual leu: “Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: ‘não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você’”. Ficou pensativa…

A menina-mulher quando chegou na “lagoa formosa, ternura de rosa, poema ao luar”, nem se deu conta de que estava pisando na terra natal de seus antepassados paternos, onde já tinham sido semeados muitos frutos. Sua avó fora rendeira, e, no centrinho da Lagoa, encontra-se a Rua João Josino da Silva, nome de seu bisavô e avô. Ela também não se deu conta de que construíra sua vida e própria história, até que precisou escrever um discurso de posse para a Academia Desterrense de Literatura. E vocês? Já se deram conta de suas histórias? E das histórias que permeiam as suas?

Contar e ouvir histórias são dois lados de uma experiência humana ímpar e de valor inestimável, que permite o avivamento e a continuidade da memória, bem como o compartilhar de conhecimentos, cultura e arte. Quem de nós nunca teve “aquele tio”, “aquela tia” ou amigo (a) contador de histórias que embelezava os momentos? A menina-mulher entendeu que contar e escrever histórias é uma necessidade da nossa existência, um modo de suportarmos a vida, pois, por meio delas, saímos de nós mesmos e, acompanhados pela memória e imaginação, projetamo-nos em Outros, (re)criando (im)possibilidades. Assim, o despertar da sensibilidade, tão valorosa a este mundo em que vivemos, aliado à razão, possibilita-nos descortinarmos medos e preconceitos e aproximarmo-nos de valores humanos…

Bem, hoje é dia 17 de fevereiro e aqui estamos para celebrar não apenas o ingresso na ADELIT, mas a vida – que merece ser celebrada em cada detalhe –, porque estamos vivos, ativos e operantes em relação ao presente, à escrita, à história, à cultura local e à literatura. Recordando as escolhas desta menina, encontro-me comigo mesma, a filha da Inês e do Adão, e com a minha essência criativa, amorosa e potente.

Nessa vereda, cumpre-me enfatizar que ocupar a cadeira 6, cujo Patrono é Vilson Mendes, me honra e comove, uma vez que este teve reconhecida trajetória em Florianópolis, em razão de seu exemplo pessoal e profissional. Casado com Nelcy, foi pai e avô, além de amigo da natureza e dos animais e ficou conhecido como incentivador da cultura na ilha. Na década de 1990, foi condecorado com o troféu “Manezinho da Ilha” – que premia personalidades da cidade. Além disso, atualmente, a capital de Santa Catarina agracia seus artistas com o “Prêmio Vilson Mendes de Literatura”, em sua honraria.

Acredito que, ao contrário de Cora Coralina, brasileira que realizou o sonho de publicar seu primeiro livro aos 75 anos, eu seja a mais nova entre os confrades e confreiras. Não é simbólico da parte de uma instituição que conta viver, confiar em um espírito em construção tamanha incumbência. Mas, não há idade para fazer o que amamos. Não há idade para nos (re)descobrirmos. E, com certeza, não estamos aqui para discutir se somos a Geração X, Y, Z, porque somos de todas as gerações e estamos no mesmo tempo, no hoje, no agora. Entendo que as trocas entre gerações nos permitem aprendizagens, além de nos reconhecermos como seres integrados, integradores e ativos na sociedade. Não é o velho ou o novo, são gerações que necessitam ser entendidas e respeitadas, porque todas possuem algo para ensinar. Parafraseando Charles Chaplin: “Não sois máquina, homens é quem sois”. Somos, pois, seres humanos e precisamos nos relacionar, entender, unir esforços e respeitar opiniões.

Faço votos de que nossos bairros tenham, além de padarias, mercados e estéticas, livrarias, praças e jardins, assim como o agradável Jardim Botânico de Florianópolis. Lá escrevi muitos textos, junto à natureza e aos pássaros. Convido-lhes a sonhar e agir criando uma realidade onde plantaremos o nosso jardim, criativo, inspirador, colorido e igualitário, pois Literatura também é gênero de primeira necessidade! Agradeço-vos a honraria e receptividade. Digo-vos que buscarei na medida do possível corresponder a vossa confiança e semear flores para, juntos, construirmos nosso quintal de cores, amores, histórias memórias.

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Ana Kelly Borba da Silva Brustolin

Doutoranda em Linguística pela UFSC, atua como professora de Língua Portuguesa e Redação e escritora, membro da Academia Desterrense de Literatura, ocupante da cadeira 6. É autora de livros e artigos na área da Língua Portuguesa, Literatura e Educação.