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Despolarização

Foto: Freepik

Por: Raphael Rocha Lopes

24/09/2025 - 06:09

“♫ Pois agora lá fora/ O mundo todo é uma ilha/ A milhas e milhas e milhas” (Terra de gigantes; Engenheiros do Hawaii)

Hoje em dia a discordância virou sinônimo de inimizade. Discordar parece, para muitos, um ato de agressão pessoal, quando deveria ser justamente o oposto: a prova de que ainda há espaço para a diversidade de pensamento. Se todos concordássemos em tudo, não haveria evolução, não haveria inovação e tampouco aprendizado. A pluralidade de ideias é o que move a sociedade adiante, mas a polarização das conversas, alimentada por paixões políticas e certezas, está transformando o debate em um campo de batalha.

O problema é que essa guerra não fica restrita às ruas ou aos parlamentos. Ela foi transplantada para o ambiente mais presente e influente do nosso tempo: a internet. Nas redes sociais, os algoritmos que deveriam aproximar pessoas acabam por aprisioná-las em bolhas de pensamento homogêneo, repetindo e reforçando aquilo que já acreditam. Quem pensa diferente, em vez de ser visto como oportunidade de aprendizado, passa a ser considerado inimigo. O resultado é o empobrecimento do raciocínio.

Humildade intelectual

A boa conversa, o debate saudável e a troca de perspectivas pressupõem a capacidade de escutar. Escutar de verdade. Não apenas esperar a sua vez de responder, mas permitir que o outro lado traga informações, vivências e raciocínios que talvez nunca tenham cruzado o seu caminho. Esse exercício é árduo, porque exige humildade intelectual, algo em falta num mundo cada vez mais guiado por curtidas.

O que tem-se visto, em muitos casos, é justamente o contrário: o estelionato intelectual. Pessoas que distorcem fatos sob falsas premissas única e exclusivamente para manterem suas narrativas para seus seguidores, sem qualquer compromisso com a verdade e nem mesmo com seu público. É o reforço a qualquer custo daquilo que seu séquito quer ouvir.

A internet tem culpa nisso, mas não é a única vilã. Ela também pode ser um poderoso aliado na despolarização. Assim como nos coloca em bolhas, também pode nos abrir portas para leituras, experiências e opiniões diferentes das nossas. A responsabilidade, então, volta-se para o usuário.

Quem deseja crescer precisa procurar conscientemente outras fontes de informação, buscar o contraditório, seguir perfis que não apenas confirmem sua visão de mundo, mas que a desafiem. O mesmo vale para a educação digital: ensinar crianças e jovens a lidar com a divergência é tão essencial quanto ensinar matemática ou português.

Achar por achar, é porque é, não fazem ninguém crescer. Como eu já disse em outro texto, estudar dá trabalho, pensar dói, e muitas pessoas, infelizmente, passaram a se fiar nos seus pseudo-heróis de plantão, sem refletir, sem pesquisar, simplesmente concordando porque sua manada repete igual.

Revendo convicções e sendo livres

Despolarizar não significa abrir mão de suas convicções. Significa reconhecer que ninguém é dono da verdade absoluta e que conviver com a diferença é um passo civilizatório. Significa compreender que evoluímos quando somos capazes de discutir sem nos destruir. A internet pode ser arena de ódio, mas pode também ser espaço de diálogo. A escolha, em grande parte, é nossa.

Se quisermos de fato crescer como sociedade, precisamos resgatar o valor de discordar sem se odiar. Caso contrário, continuaremos construindo muros onde poderíamos erguer pontes e perderemos, no processo, a chance de aprender com quem pensa diferente.

Mais do que isso. Se quisermos ser livres temos que ter consciência das nossas limitações e da necessidade se sempre querer aprender. Divido com vocês uma frase que ouvi numa palestra sobre direito administrativo, mas que cabe para tudo na vida: um homem com dúvidas é um homem livre.

Afinal, penso que são as dúvidas que movem o ser humano desde sempre. É necessário despolarizar para evoluir, respeitando os pensamentos divergentes como linha de aprendizado e não como linha de guerra.

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Raphael Rocha Lopes

Advogado, autor, professor e palestrante focado na transformação digital da sociedade. Especializado em Direito Civil e atuante no Direito Digital e Empresarial, Raphael Rocha Lopes versa sobre as consequências da transformação digital no comportamento da sociedade e no direito digital. É professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Católica Santa Catarina e membro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.