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Criança não nasce racista

Foto: Freepik

Por: Raphael Rocha Lopes

10/09/2025 - 07:09

“♫ Emancipate yourselves from mental slavery/ None but ourselves can free our minds/ Have no fear for atomic energy/ ‘Cause none of them can stop the time” (Redemption song – Bob Marley).

Criança não nasce racista. Ninguém nasce racista. Criança não nasce com preconceito editado. Coloquem lado a lado, desde sempre, um recém-nascido palestino e outro judeu. Um branco e um preto. Um pobre e um rico. Um de família de crente e um de família de ateu (até porque todos nascem sem religião também). Um de família de direita e um de família de esquerda (todos nascem sem partido, na verdade). Se os pais não atrapalharem com alguma ignorância (no pior sentido da palavra) preconceituosa, essas crianças vão crescer e continuar amigas, e provavelmente respeitar as diferenças e aprender uma com a outra e, com essa diversidade de visão, possivelmente poderão construir um mundo melhor.

Os vieses

O problema são os outros. São sempre os outros. E, nesses casos, inexoravelmente os pais ou as pessoas próximas. E a tendência é piorar se nada for feito. Digo isso por conta dos algoritmos que, além de embolhar as pessoas (já falei disso em outro texto), em alguns casos têm vieses racistas ou preconceituosos de maneira geral.

Não é por acaso que hoje vemos adolescentes reproduzindo discursos de ódio, muitas vezes embalados em memes engraçadinhos ou vídeos virais. A educação digital que recebem não é neutra: ela está impregnada dos filtros invisíveis das plataformas, que escolhem o que cada jovem deve ver, reforçando estereótipos e preconceitos, quando não incentivando rivalidades vazias.

Esse processo não cria o racismo do zero, mas o fortalece, cristalizando em bolhas digitais preconceitos que poderiam ser combatidos se a diversidade fosse estimulada.

A transformação digital, que deveria abrir portas para a pluralidade de vozes, tem sido usada também como instrumento de repetição do mesmo. O risco é imenso: crianças e adolescentes passam mais tempo online do que em qualquer outro espaço de socialização. O que antes era o convívio no bairro, na escola ou no clube, hoje é o feed do Instagram, os vídeos curtos do TikTok ou as recomendações do YouTube. E os algoritmos não têm compromisso com valores humanos; eles têm compromisso com engajamento. Engajamento dá dinheiro (para as plataformas sempre, e para alguns influenciadores que sabem se aproveitar da situação). Se é o ódio que engaja, é o ódio que será entregue.

É preciso ensinar

É nesse ponto que a educação digital precisa ser encarada com seriedade. Não basta limitar o tempo de tela ou proibir aplicativos. É preciso ensinar as crianças e adolescentes a identificarem discursos manipuladores, a perceber quando estão sendo direcionados para conteúdos tóxicos e a construir senso crítico diante do que consomem. Assim como ninguém nasce racista, ninguém nasce sabendo navegar nesse oceano de informações enviesadas. É tarefa dos pais, das escolas e da sociedade como um todo preparar essa nova geração para ser protagonista do mundo digital, e não vítima ou refém.

A transformação digital pode, sim, ser aliada nesse processo. Ferramentas de inteligência artificial podem ajudar a identificar discursos de ódio e a retirá-los mais rapidamente das redes. Projetos educacionais digitais podem democratizar o acesso a informações diversas e qualificadas. Mas, para isso, é necessário transparência, regulamentação e, sobretudo, vontade política. Sem isso, continuaremos terceirizando a formação das nossas crianças para empresas que não têm compromisso com cidadania, apenas com cliques.

Criança não nasce racista. Mas pode ser ensinada a ser. A boa notícia é que também pode ser ensinada a não ser. E esse é o maior desafio: usar a transformação digital e a educação digital não para embrutecer, mas para humanizar. Para que os futuros adultos não apenas respeitem as diferenças, mas compreendam que é justamente delas que nasce a riqueza de qualquer sociedade saudável.

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Raphael Rocha Lopes

Advogado, autor, professor e palestrante focado na transformação digital da sociedade. Especializado em Direito Civil e atuante no Direito Digital e Empresarial, Raphael Rocha Lopes versa sobre as consequências da transformação digital no comportamento da sociedade e no direito digital. É professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Católica Santa Catarina e membro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.