É evidente com o passar dos anos que a tecnologia passou a ser utilizada para simplificar diversas operações, especialmente no âmbito financeiro.
Com a crescente utilização dos bancos digitais e com a criação do PIX, a maioria dos consumidores não frequenta mais as agências bancárias.
Atualmente é possível realizar praticamente tudo por meio de dispositivos móveis, podendo o consumidor fazer pagamentos, transferências e até mesmo contratar empréstimos bancários sem sair de casa.
Contudo, as aludidas facilidades acabam também por ocasionar certa insegurança em alguns casos, especialmente se tratando de idosos.
O INSS possui normativas próprias que regulamentam a concessão de empréstimos consignados para aposentados e pensionistas, as quais vêm sendo atualizadas com o escopo de protegê-los de eventuais fraudes.
Ocorre que, em alguns casos, a própria autarquia previdenciária deixa de observar o preenchimento das normas específicas, facilitando a averbação de contratos fraudulentos junto aos benefícios previdenciários.
A Instrução Normativa PRES/INSS nº 138/2022, a qual passou a ter vigência em 1ª de dezembro de 2022, alterou algumas situações relacionadas ao contrato de empréstimo consignado para aposentados.
A instrução normativa anterior (PRES/INSS nº 28/2008) trazia previsão em seu texto de que os contratos relacionados à aposentados e pensionistas somente poderiam ser formalizados na própria instituição financeira.
Vale ressaltar que tal previsão permanece hígida em relação aos contratos firmados em data anterior a 1º de dezembro de 2022.
Em que pese a nova normativa não exija que a contratação ocorra nas dependências da instituição financeira, é necessário o preenchimento de alguns requisitos específicos, dentre eles o consentimento inequívoco e expresso do aposentado acerca do interesse no empréstimo. Veja-se:
Art. 5º A averbação da contratação de crédito consignado pelo titular do benefício ocorrerá desde que:
I – a operação seja realizada com a própria instituição consignatária acordante ou por meio do correspondente bancário a ela vinculado, na forma da Resolução nº 3.954, de 2011, do BCB, sendo, a primeira, responsável pelos atos praticados em seu nome;
II – o desconto seja formalizado por meio de contrato firmado e assinado, com uso de reconhecimento biométrico, apresentação do documento de identificação oficial, válido e com foto, e Cadastro de Pessoa Física – CPF, junto com a autorização da consignação tratada no inciso III;
III – a autorização da consignação seja dada de forma expressa, assinada com uso de reconhecimento biométrico, não sendo aceita autorização dada por ligação telefônica e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova da ocorrência;
(…)
VIII – seja efetivada no Estado (Unidade da Federação – UF) em que o benefício é mantido.
Da leitura dos dispositivos colacionados é possível verificar que há sim uma rigorosidade formal para que se consiga a averbação dos contratos de empréstimo junto ao INSS, a qual não vem sendo seguida de maneira correta, haja vista o grande número de fraudes envolvendo as aludidas contratações.
No âmbito do Poder Judiciário tem se tornado comum o ingresso com ações judiciais visando a nulidade de contratos de empréstimos consignados em relação à aposentados e pensionistas do INSS, sendo que, felizmente, o entendimento vem sendo positivo, havendo, inclusive, a condenação das instituições financeiras ao pagamento dobrado de eventuais valores descontados, além de danos morais.
No último mês, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina proferiu decisão declarando inexistente o suposto empréstimo firmado por meio eletrônico, tendo em vista a ausência de prova da ciência inequívoca da contratação.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IRRESIGNAÇÃO DO RÉU. CONTRATO REALIZADO POR MEIO ELETRÔNICO. ASSINATURA DIGITAL. CÓPIA DO CONTRATO E FOTOGRAFIA DA CONSUMIDORA SEM AS PROVAS DA NEGOCIAÇÃO E AUTORIZAÇÃO DOS DESCONTOS. GEOLOCALIZAÇÃO DE ESTADO DIVERGENTE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. EXEGESE DO ART. 373, II, DO CPC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AUSENTE A PROVA DO ERRO JUSTIFICÁVEL A REPETIÇÃO DE INDÉBITO INCIDE NA FORMA DOBRADA.
(…)
(TJSC, Apelação n. 5001256-85.2022.8.24.0030, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 13-04-2023).
Em seu voto, o Desembargador Relator, Silvio Dagoberto Orsatto, utilizou como fundamento as normativas do INSS, concluindo:
(…)
Nesse contexto, conclui-se que o contrato por meio eletrônico é válido, desde que pautado na regra do art. 104 do CC, além de haver expressa ciência e autorização do consumidor quanto ao seu conteúdo.
In casu, não há nos autos prova inconteste da ciência inequívoca da autora quanto ao objeto da contratação. Conforme bem fundamentado pelo magistrado a quo, existem divergências nos dados pessoais, além da geolocalização indicar que o contrato se concretizou em Bauru/SP, enquanto a autora reside em Imbituba/SC.
Desse modo, analisando as provas anexadas, está caracterizada a responsabilidade objetiva do réu na contratação indevida.
(…)
No caso citado, além da declaração da inexistência do débito com a determinação de devolução dos valores descontados de forma dobrada, houve também a condenação ao pagamento de danos morais, tendo em vista a violação ao mínimo existencial em razão da natureza alimentar do benefício previdenciário.
Portanto, o que se pode concluir em relação aos contratos de empréstimo firmados de forma eletrônica é que não podem ser considerados somente como um benefício ao consumidor, pois essa forma de contratação está muito mais suscetível a ocorrência de fraudes.
Logo, é extremamente importante que os consumidores, especialmente os aposentados, estejam atentos a eventuais descontos em seus rendimentos, a fim de evitar maiores prejuízos e usufruir integralmente dos valores do seu benefício.