“♫ Há um muro de concreto entre nossos lábios/ Há um muro de Berlim dentro de mim/ Tudo se divide, todos se separam/ (Duas Alemanhas, duas Coreias)/ Tudo se divide, todos se separam” (Alívio imediato; Engenheiros do Hawaii)
Semana passada meu texto foi sobre a necessidade de se pensar urgentemente na despolarização; de se deixar de lado a polarização radical e rasa como justificativa para qualquer embate.
Para ajudar nesse pensamento construtivo, é necessário que uma pergunta ecoe diariamente na mente das pessoas: a quem interessa a polarização?
O fenômeno não é novo, mas na era digital ganhou contornos mais graves, pois deixou de ser apenas uma disputa de ideias e se transformou em combustível para engajamento, lucro e manipulação política. Plataformas de redes sociais funcionam por meio de algoritmos que priorizam aquilo que gera maior tempo de tela, mais cliques e mais interações. E nada mobiliza tanto quanto indignação e medo. É mais fácil provocar curtidas, compartilhamentos e comentários com um post que divide opiniões do que com uma análise equilibrada. O resultado é previsível: os extremos se amplificam e o diálogo se esvazia.
Como diria o Garganta Profunda: “Siga o dinheiro”
Quem ganha com isso?
Em primeiríssimo lugar, as próprias redes sociais, que transformaram a polarização em negócio. Quanto mais se discute e se inflama, mais tempo nas telas e, consequentemente, mais anúncios são exibidos, mais dados são coletados e mais receita é gerada. A economia da atenção encontrou na polarização sua matéria-prima mais lucrativa.
Em segundo lugar, há grupos políticos e econômicos que exploram o ambiente polarizado para manter eleitores em constante estado de alerta e de medo, facilitando a manipulação de massas. Fake news e distorções da realidade funcionam como gatilhos emocionais, reforçando bolhas ideológicas e desestimulando o pensamento crítico. Desestimulando MUITO o pensamento crítico. O eleitor se torna refém de narrativas.
E fica cada vez mais evidente que há políticos preocupados apenas em lacrar em vez de realmente legislar e fiscalizar responsavelmente. Não é incomum se ver políticos falando as maiores bobagens jurídicas nas redes sociais apenas para conseguir visualizações e manter seu cercadinho em dia, mesmo sabendo que a bizarrice que levantou não prosperará no mundo real. Enquanto isso, seu trabalho nas plenárias é pífio ou pior que isso.
Outro beneficiário é o mercado de desinformação profissionalizado. Hoje, já existem verdadeiras “fábricas de conteúdo” que lucram com a produção de notícias falsas e distorcidas. Essa indústria se alimenta da polarização, porque sabe que uma mentira bem contada, se alinhada a uma crença pré-existente, tem mais poder de viralização do que qualquer fato checado. E vendem para quem pagar melhor.
Dane-se o bom senso
As consequências são profundas. Famílias divididas, amizades desfeitas, aumento do ódio e da intolerância. E o mais perigoso: a incapacidade de construir consensos mínimos em sociedades democráticas. Quando tudo é visto como uma guerra entre “nós” e “eles”, desaparece o espaço para a negociação, para a empatia e para a evolução coletiva.
Não existe solução simples, mas alguns caminhos são possíveis. Um deles é a educação digital, que deve ir além do uso técnico das ferramentas e incluir a capacidade de verificar fontes, compreender o funcionamento dos algoritmos e identificar manipulações. Outro é incentivar práticas de escuta ativa e debates que reconheçam a legitimidade de visões diferentes, sem reduzir o outro a um inimigo.
Também é necessário cobrar maior transparência das plataformas, tanto na forma como distribuem conteúdos quanto no combate a fake news. Não se trata de censura, mas de responsabilidade. Se as redes sociais se tornaram hoje as praças públicas onde as ideias circulam, não é aceitável que funcionem sem regras claras que protejam a sociedade.
A polarização interessa a muita gente, menos a uma sociedade equilibrada. Por isso, reaprender a dialogar é mais do que uma escolha pessoal; é um ato de resistência contra a lógica do algoritmo e contra os interesses de quem lucra com a divisão das pessoas e a desgraça alheia.