A mulher e a margarida

Por: Ana Kelly Borba da Silva Brustolin

08/03/2024 - 10:03 - Atualizada em: 08/03/2024 - 10:16

Estava andando rumo à sua casa, após uma manhã inteira de trabalho pesado na roça.

Acordara cedo, havia tirado leite da vaca, feito o café e deixado o almoço aprontado para quando voltassem da lida.

Seu marido, saiu antes dela, acompanhado do filho e dos peões, pois hoje era dia de colheita.

Ela se aprontou rapidamente, pegou uma cesta com garrafas d’água e apurou o passo para se juntar aos outros.

Trabalho duro, sol a pino, maquinários e homens trabalhando incansavelmente. O cheiro do campo, a conversa solta e ela, a única mulher ali no meio naquela hora, voltou seu olhar ao céu e agradeceu por mais um dia de vida e saúde.

E, assim, voltava sozinha à casa, com chapéu na cabeça, bota nos pés, suor escorrendo e passos firmes para pôr o almoço na mesa. Ouviu uma música. Olhou para o lado, avistou duas moças na varanda de uma casa de madeira, branca com aberturas azuis: elas estavam olhando o celular, rindo e dançando “Sempre dou o meu jeitinho, é bruto, mas é com carinho, porque Deus me fez assim, Dona de mim!”

Que lindo, pensou. Combina comigo. Continuou. Preciso dar o meu jeitinho no almoço da rapaziada.

Chegando em casa, tomou uma ducha, colocou seu vestido fresquinho, sua havaiana, e correu em direção à cozinha para colocar a comida na mesa. Ah, preparou, ainda, um suco de laranja que colhera do pé pela manhã, sem esquecer o traguinho do marido – sabe que ele tem o hábito. Com amor (e fome) esperou por todos.

Chegaram conversando e apressados, falando da colheita, dos valores e possíveis lucros. O filho colheu uma florzinha – margarida – no meio do caminho. Entregou a florzinha para a mãe, pois se lembrou que hoje é dia da mulher. O marido viu a cena de longe. Seus olhos, marejados se confundiram ao suor…

Os homens famintos almoçaram e prosearam em alto e bom tom, quase nem perceberam a florzinha posta num copo de vidro no centro da mesa. Elogios não faltaram para a comida! “Que delícia! Não sei se é a fome ou se a comida que tá boa, dona Maria!”

Um dos homens reparou na florzinha e comentou:

_ Ah hoje é dia das mulhé, né?! Minha filhinha me acordou pedindo parabéns! O que seria da gente sem vocês, hein dona Maria?

O marido se levantou e pesou: “nada”.

Aos poucos, a rapaziada vai relaxando e acalmando o corpo para fazer a digestão. Todos saem para descansar na varanda da casa, o filho leva a melancia junto e continuam a jogar conversa fora, saborear uma suculenta melancia e descansar na rede e cadeiras dispostas na varanda, cuja vista é a natureza, exuberante e bela!

A mulher, silenciosamente, começa a ajeitar as louças na pia… O marido levanta-se da mesa e vai retirando as louças, apoiando-as na pia. Seus braços encostam nos braços da esposa; enquanto um põe as louças sobre a pia, o outro ajeita. Os olhares se cruzam. Sorriem. Ela começa a lavar a louça. Ele pega o pano de prato para secar. Pede à esposa que lhe dê o pano para limpar a mesa. Com cuidado, limpa e arruma o copo com a “margarida”, bem no centro.

O filho, pela janela aberta, avista a cena lá de fora e olha carinhosamente para o afeto e respeito entre a mãe e o pai que estão na cozinha.

Nem sempre as palavras são suficientes para tudo dizer, às vezes, o gesto e o olhar expressam o mais profundo amor de cada ser num dia comum ou não. No rádio, apoiado em cima da geladeira, toca a moda de Chitãozinho e Xororó, Um homem quando ama: “Amigo, se você ama não tenha medo diga pra ela sem pensar. Se você gosta, se você sonha, diz só pra ela o que você quer escutar… Por que segredo, se o segredo é amar? É assim um homem quando ama. Se você ama qualquer segredo some. É a mulher que realiza o homem. Diga pra ela: Eu te amarei pela vida inteira! Ela vai sentir que tem, muito amor pra dar a quem lhe ama”…

O marido coça a cabeça e diz que vai se deitar um pouco. A mulher o acompanha.

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Ana Kelly Borba da Silva Brustolin

Doutoranda em Linguística pela UFSC, atua como professora de Língua Portuguesa e Redação e escritora, membro da Academia Desterrense de Literatura, ocupante da cadeira 6. É autora de livros e artigos na área da Língua Portuguesa, Literatura e Educação.