Os olhos de Kevin se abriram lentamente, subitamente acordado ao sentir que a cama se mexia de um lado para o outro… Se assustou ao ver que vestia uma espécie de camisolão de algodão com uma abertura em “V”e um cordão trançado no lugar dos botões, como um cadarço de tênis. Com os olhos arregalados, começou a perceber o estranho cômodo onde estava, com um baú de madeira, cordas náuticas no chão, a enorme cama de madeira escura, e de espaldar alto, os lençóis amarelados…
– Lençóis ensebados, isso sim! Que lugar imundo!, pensou ele, com uma careta de nojo e uma das mãos tapando o nariz.
E para confirmar o aspecto insalubre do lugar, em um dos cantos, observou um prato malcheiroso com restos de peixe e uma grande espinha no centro, o que deixava o ambiente com um ar pestilento. E como se não bastasse, viu uma grande ratazana empurrar o tapete puído do chão e pular sobre o prato, depois dos ruídos horripilantes que fazia. Pelas características do lugar, deduziu que tinha sido capturado por piratas do Atlântico Sul.
De repente, com o chacoalhar do quarto de um lado para o outro, que fazia com que quase se desequilibrasse, deduziu que iniciava uma tempestade. Isso o deixou ainda mais apreensivo.
– O que estou fazendo aqui? Quem me trouxe para cá? Por que estou com esse camisolão e dormindo nessa cama? Será que atravessei um túnel do tempo? Eram perguntas angustiantes que ficavam sem resposta…
Respirou fundo e procurou se acalmar, pensar em uma estratégia para contornar a situação e fugir, na primeira oportunidade. Começou a se movimentar pelo quarto, se segurando nos móveis a cada movimento brusco da embarcação. Queria conhecer o espaço, medir as possibilidades para escapulir no próximo porto.
Foi aí que a porta rangeu e Kevin gelou de medo. Ao se virar, não acreditou no que estava vendo com os próprios olhos: o capitão Jack Sparrow, em pessoa! Bambeou as pernas e começou a balbuciar algumas palavras, mas foi interrompido pelo carismático e espirituoso comandante do “Pérola Negra”, com seus movimentos estranhos com o corpo e as mãos, tão característicos.
– Calma, rapaz! Não foi o que você pediu? Você vivia dizendo que adoraria me conhecer e participar das aventuras pelos mares do Caribe, lembra? Pois então, aqui estou eu, “Vivinho da Silva”, disse Sparrow, enquanto jogava a cabeça para trás, em uma sonora gargalhada.
– Mas, mas…esboçou Kevin, interrompido mais uma vez pelo pirata mais célebre da sétima arte, dos últimos tempos.
– Vamos, garoto, venha conhecer a tripulação, vamos! E assim, empurrado por Jack, ele desceu até o convés, conferiu o mastro, as velas, a bandeira pirata, com a temível caveira… A tempestade tinha dado uma trégua e ele pode admirar o belo mar do Caribe e seus mistérios. A marujada se divertia com a fisionomia apavorada do jovem Kevin.
Em dado momento, Kevin insistiu e pegou na bússola de Sparrow, aquela que sempre aponta para o que mais se quer… Foi então que ele viu, pela luneta mágica, a casa onde morava com a família. Enxergou os pais, os avós e a irmã caçula, que tantas vezes chamou de chata… Ouviu a voz da mãe Joana que abanou com um lenço branco e o chamou.
– Kevin! Kevin! Acorda, menino!
Kevin demorou mais uns segundos para acordar e coçar os olhos. Olhou para a mãe e sorriu.
– Nossa, Kevin, que sono profundo! Assistiu “Piratas do Caribe”de novo?! Assim vai acabar em um barco pirata… Hahahahaha!
– Eu já estive lá, mãe! Eu já estive lá, disse Kevin para si mesmo com um olhar sonhador, enquanto vestia rapidamente o uniforme escolar.