♫ “No mês que vem, tudo vai melhorar/ Só mais alguns anos e o mundo vai mudar/ Ainda temos tempo até tudo explodir/ Quem sabe quanto vai durar”♫ (Semana que vem; Pitty)
Nunca foi tão fácil colocar a culpa no mundo. A tecnologia está viciando as crianças. A escola não ensina direito. A sociedade está cada vez mais perdida. O problema são as más influências. Mas, no final das contas, a verdade é uma só: a culpa é dos pais.
Os pais que entregam um tablet ou um smartphone para o bebê parar de chorar, em vez de acalmá-lo com paciência. Que não impõem limites porque a vida já está difícil demais. Que não sabem dizer não porque não querem lidar com as consequências de uma birra. Que terceirizam a educação para a escola, a internet, os influenciadores e depois se espantam com o que os filhos se tornaram.
Quem são os vilões?
A tecnologia não é a vilã. O problema é o uso descontrolado dela. As telas não são um mal por si só, mas se tornam quando substituem interações reais e afeto. Crianças estão crescendo sem saber esperar, sem entender frustrações e sem desenvolver habilidades básicas de convivência. Tudo precisa ser rápido, imediato, recompensador. Se um vídeo não prende a atenção em dois segundos, passa-se para o próximo. Se um jogo fica difícil, troca-se por outro. E, enquanto isso, os pais seguem ocupados demais para perceber que estão criando filhos sem paciência, sem resiliência e sem capacidade de lidar com dificuldades. Parece que os pais sempre estão ocupados demais. Que estão cada vez mais muito ocupados.
Muitos pais não se esforçam para entender suas próprias limitações. Não sabem lidar com a própria ansiedade e impaciência, mas exigem que os filhos tenham autocontrole. Não leem um livro até o fim, mas querem que as crianças desenvolvam gosto pela leitura. Não conseguem passar um dia sem rolar o feed das redes sociais, mas reclamam que os filhos não largam o celular. Como vão ensinar limites às crianças?
As consequências desse excesso de liberalidade misturado com a ausência de presença real são visíveis. A intolerância ao não gera crises desproporcionais. A falta de diálogo cria filhos distantes, que se fecham em seus quartos e só interagem por meio de telas. A ausência de participação dos pais na vida escolar e emocional dos filhos resulta em crianças e adolescentes que buscam apoio e orientação em qualquer outro lugar – muitas vezes, nos piores lugares possíveis. E a internet está cheio deles!
O problema são os outros.
Depois, quando as coisas saem do controle, a culpa é sempre dos outros. A escola tem que dar um jeito. O professor tem que educar. As redes sociais precisam controlar melhor o que as crianças acessam. Mas, e os pais? Quem está presente de verdade? Quem conversa com os filhos? Quem estabelece regras e, mais importante, cumpre essas regras?
Passo todos os dias na frente de uma escola pública e vejo os pais descaradamente estacionando em local proibido, em cima da faixa de pedestres e na contramão. Não sabem que os filhos seguem seus exemplos. Levo e busco meu filho em uma escola particular, nem todos os dias, mas o suficiente para sempre ver pais descumprindo as orientações da Diretoria, trancando o fluxo nos cruzamentos ou parados (em seus carros) com o celular nas mãos achando que estão no sofá de casa, estacionando em locais reservados para PCD ou idosos. Também não sabem que os filhos seguem seus exemplos.
Criar filhos exige esforço, tempo, paciência e disposição para ser pai e mãe, e não apenas fornecedor de bens e permissões. Educar dói.
Não adianta culpar os tempos modernos. Cada geração teve seus desafios. O problema não é a transformação digital, mas a falta de vontade e empenho para lidar com ela. Os pais precisam assumir sua responsabilidade e entender que crianças não se criam sozinhas. E que, no final das contas, aquilo que os filhos se tornam tem muito mais a ver com o que aprenderam dentro de casa do que com qualquer influência externa.
A culpa não é do mundo. E, como diz a Pitty na música tema de hoje, não deixe pra semana que vem, que ela pode nem chegar…